Salvação
Tive dúvidas se estava realmente acordada ou sonhando, quando abri meus olhos e me dei conta de onde estava. Não reconhecia o quarto, nem me lembrava de como havia chegado ali, evidentemente... Mas cada objeto tinha um estranho apelo de “lar” em meu subconsciente, como se tivesse feito parte de mim a vida inteira. Meus ouvidos estavam abafados, um zumbido irritante e despropositado que me agredia, interferindo na boa e amadeirada atmosfera do aposento ao meu redor. Olhei para mim mesma, vestida com uma camisola rendada de seda cinza como prata {nem sequer sabia dizer se gostava de seda} e coberta por lençóis de algodão egípcio de 1000 fios... Lençóis esses que, de alguma maneira, tentavam me arremeter a uma ocasião simbólica e feliz do passado, mas que, por mais que eu me esforçasse, não conseguia visualizar. A cama de dossel em que eu estava deitada era parcialmente cercada por uma cortina branca transparente, o que me permitia ter uma visão opaca do restante dos móveis e do grande espelho na parede a minha frente.
Meus cabelos estavam nas alturas, o retrato de alguém que havia acordado após um século de sono profundo. Quis lembrar o que poderia ter me feito sentir tanto cansaço, mas a cada tentativa de acionar uma lembrança, o resultado era um frustrante vazio e uma pontada na cabeça. As únicas certezas que eu parecia ter em mente eram: 1)meu nome era Renesmee e 2) não sabia que lugar era aquele, nem o que estava fazendo ali. Resolvi então investigar!
Sentei sobre o colchão, colocando as pernas para fora da tela cortinada, depois me certifiquei de encontrar algo com o que me calçar... Uma pantufa de linho comportou meus pés. Porém, antes que eu pudesse levantar, a maçaneta da porta ameaçou um giro, me pegando desprevenida. A insegurança por não saber se eu deveria mesmo estar naquele local me permitiram unicamente ficar em silêncio, aguardando o que viria a seguir. A porta se abriu e uma senhora com vestes de criada entrou, segurando uma bandeja nas mãos.
– Bom dia, madame Drachen! – ela me cumprimentou de uma forma surpresa. “Drachen”?! Era esse o meu sobrenome?! Pensei em perguntar, mas julguei que ela acharia meu questionamento bastante esquisito. A mulher então prosseguiu – não pensei que já estivesse desperta! Vim lhe trazer seu café da manhã. Tinha pensado em deixar na mesinha, para quando a senhora acordasse... Mas, se quiser, posso servi-la na cama.
– Ah não, está tudo bem, eu mesma me sirvo! – tratei logo de dispensar a sugestão.
Algo naquele momento me inquietou bastante. De repente, eu me vi mais atraída pelo aroma que vinha da pele da mulher do que pelo das guloseimas na bandeja de prata, que ela agora preparava para mim em cima da mesa, graças a minha recusa. Um arrepio de horror me percorreu de cima abaixo com a constatação, e eu precisei tapar superficialmente o nariz e a boca para interromper aquela bizarrice de uma vez. Após terminar aquela tarefa, a mulher se virou pra mim e franziu a testa me ver com a mão no rosto e contraindo as feições.
– Algo errado, madame?!
Busquei a concentração necessária para que eu fosse capaz de destapar o nariz e ignorar o instinto levemente selvagem que estava tentando me tomar. Ela ainda aguardava uma resposta minha.
– Não... Não é nada, só uma irritação no nariz! – gesticulei despreocupadamente para ela – Vai passar!
– Humm... Deve ser porque este quarto estava fechado a muito tempo! – ela tinha um sotaque diferente, formal... seu idioma natal provavelmente não era o meu – Mais tarde, alguém virá limpá-lo novamente. Vou providenciar o seu banho agora, peço licença.
Ela se encaminhou para a parede, fazendo parecer que ia se chocar contra ela. Mas logo percebi que ali havia uma porta que dava acesso a um banheiro privativo. A mulherzinha simpática entrou e depois eu ouvi um giro de torneira, em seguida a água caindo. “Preparar o meu banho?! Quantos anos ela acha que eu tenho?! Sete?!” perguntei a mim mesma. Levantei finalmente da cama, desviando da cortina e indo atrás dela. O cheiro foi ficando mais forte com a aproximação, mas eu me senti em condições de manter o controle dessa vez.
– Oi, Senhora?! – exclamei na entrada do banheiro, sem saber seu nome. Ela se virou pra mim e sorriu.
– Me chamo Anita, madame!
– Certo. Anita... não precisa fazer isso, eu mesma posso providenciar o meu banho!
– Mas foram ordens do senhor Drachen. Ele me instruiu a servi-la em tudo!
A afirmação me deixou insegura outra vez. Quem seria esse “Senhor Drachen”? Meu pai?! Meu irmão?... ou mais que isso: Meu marido?!
– Ele deseja encontrá-la para o almoço ao meio dia... – sua voz me trouxe de volta das minhas incertezas – Disse para que eu me encarregasse do seu guarda-roupas também!
Fiquei imóvel diante dela, que acabou por continuar o que estava fazendo. Voltei para o quarto e notei a existência de uma discreta varanda, oculta detrás da cortina grossa que estava encostada na parede, barrando a passagem da luz para dentro do cômodo. Atravessei para o lado de fora e me deparei com a visão de um imenso jardim, cheio de chafarizes, bancos, arbustos e estatuetas. Mais ao longe, um lago espelhado que se perdia além do horizonte, e também uma vegetação com árvores altas, o que parecia ser o início de um bosque privativo. “Que bonito!” Pensei, começando a me encantar com a idéia de morar ali. Meu quarto localizava-se no segundo andar e, ao me debruçar sobre o parapeito, vi uma escadaria que dava acesso do jardim a uma grande sacada com piso de granito. Aquela, provavelmente, era a fachada secundária que levava ao interior da casa, que eu não pude ver, por mais que me esticasse para fazê-lo. Não conseguia conter a curiosidade em conhecer tudo que dizia respeito a minha nova vida {sim, nova... porque apesar de familiar, nada daquilo se encaixava totalmente nas minhas lembranças}! Desde o mais simples, até o mais significante dos detalhes me interessava, e a ansiedade começou a arrancar alguns suspiros do meu peito.
Um pigarrear tímido rogou pela minha atenção e eu me virei para ver. Era Anita de novo, vindo anunciar que meu banho estava pronto. No momento em que entrei de verdade naquele banheiro, descobri o real motivo de eu necessitar que alguém me preparasse o asseio... A quantidade de utensílios e produtos de higiene naquele vantajoso recinto era absurda, ao ponto de fazer qualquer um precisar de ajuda. A nuvem de vapor que subia da água na banheira cheirava a pêssego e, de repente, eu descobri que aquele era o meu aroma preferido. Antes de me deixar a sós, Anita me entregou um roupão branco e sandálias, depois disse que minha roupa estaria pronta quando eu terminasse. Eu ainda não conseguia me ver como sendo o tipo de pessoa acostumada a tantas frescuras... Mas nem me importei, a água quente me atraiu direto para dentro do boxe antes que eu tivesse tempo para definir se eu era esnobe ou não...
Finalizado aquele ritual matinal, decidi desbravar o território. Coloquei minha cabeça para fora do quarto e espiei em volta. Nada além de um corredor imenso e vazio. Nem tinha me preocupado em tomar café, minhas necessidades físicas de momento estavam em segundo plano... Pé ante pé, fui marchando na direção que considerei como sendo a que me levaria até a escadaria mais próxima. Para minha sorte, na primeira curva dei de cara com a oportunidade de não me perder: uma mocinha espanava alguns móveis no local e parou o serviço ao se dar conta da minha presença.
– Deseja alguma coisa, madame?! – ela me perguntou, com uma voz doce e jovial. Parecia ter menos idade o que eu, mesmo assim demonstrava ter muitos anos no exercício do serviço doméstico. O cheiro novamente invadiu minhas narinas... Que coisa insistente!
– Sim... – respondi, sem jeito – Gostaria de descer, mas acho que errei o caminho...
– Não senhora, é por aqui mesmo! – ela sorriu, aquele mesmo sotaque carregado ornamentando sua fala – Siga em frente e vire à direita. Vai encontrar o hall da escadaria.
Agradeci a instrução com um aceno de cabeça e segui em frente. Engraçado como ela não achou estranho eu não saber qual direção tomar... Aliás, tudo era muito estranho ainda.
Havia muitos quadros pendurados nas paredes. Retratos em óleo de pessoas que viveram em épocas passadas. Alguns rostos se repetiam, como era o caso de um casal de nobres, um homem loiro e altivo ao lado de uma jovem morena muito linda. Foram retratados diversas vezes e em várias ocasiões... Com certeza, tinham sido membros muito importantes daquela que por hora parecia ser a minha família. No entanto, algo era chocante nas pinturas deles: a cor dos olhos do homem, em particular... vermelhos, como sangue! Me perguntei se, naquela época, era um costume retratar as pessoas daquele modo tão macabro... Era perturbador!
Alguns metros depois, a pintura de outra pessoa capturou minha total atenção: Um rapaz magro, elegante, com cabelos em cachos negros que caiam parcialmente por seus olhos azul turquesa... lábios finos e rubros, delineados em um discreto sorriso, contrastavam com a pele clara {quase tanto quanto a minha, porém um pouco menos pálida}. Tive a sensação de já tê-lo visto antes, embora fosse meio improvável que um rosto como aquele pudesse ser esquecido... Muito possivelmente, minha memória o estava confundindo com outra pintura. Seu olhar parecia ultrapassar a tela, penetrando na minha alma e hipnotizando meus sentidos. Que impressão ele não deveria ter causado às mulheres, em sua época...! Todas deviam se atirar aos pés dele, como loucas. Ele era inumanamente lindo, as linhas de seu rosto e expressões não eram próximas a nada que eu conhecia fisicamente, e só de admirar a gravura, senti meu coração se acelerar.
Chutei que sua idade estaria entre os 18 ou 20 anos...
– 22, para ser exato! – uma voz grossa e com um sotaque britânico me pegou de surpresa, sobressaltando o meu corpo. Curioso, nem percebi que tinha falado aquilo alto...
Qual não foi o meu assombro, quando olhei para o lado e me deparei com o próprio, saído da tela direto para a realidade. Foi como se eu tivesse do nada atravessado um túnel do tempo, indo parar de volta a sabe-se lá qual século. Porém suas roupas, apesar de muito formais, eram modernas, seguindo impecavelmente a moda atual. Ele pareceu notar a minha súbita dificuldade de respiração e equilíbrio, e rapidamente me ofereceu o braço como apoio. Pronunciei um gemido, em meio à cena constrangedora, e ele sorriu em resposta.
– Você está bem?! – ele me perguntou só pela força do hábito, conseguindo piorar mais ainda o meu quadro. Senti meu rosto queimar...
Me amparei com força no braço dele, me recompondo totalmente depois de uns dez segundos pelo menos. Não consegui, porém, olhar uma segunda vez para seu rosto até que ele mesmo o fez, puxando meu queixo para cima com delicadeza.
– Acho que deve estar cansada da viagem... Venha comigo, vou mandar te prepararem um chá. Logo, você vai se sentir renovada!
Viagem?! Mas que viagem?! Não me lembrava de nada, era frustrante... Nem consegui me opor àquela preocupação desnecessária. Era incrível o efeito controverso que a sonoridade de sua voz tinha provocado em mim. Ao mesmo tempo em que era como trovão, era suave... sedutora... Apenas me deixei conduzir por aquele desconhecido, como se meu corpo estivesse em sintonia com os desígnios dele, e não com os meus.
No andar de baixo, a sofisticação da mobília e da decoração eram muito superiores ao que eu estava esperando. Senti que meu queixo estava a um passo de despencar. Teria que ficar alerta dali pra frente, se não quisesse ser pega com a maior cara de mongolóide. Tudo era tão claro e limpo... A ambientação antiquada do andar de cima nunca me faria suspeitar que no piso de baixo encontraria tanta contemporaneidade. Dava até pena respirar aquele ar purificado.
O cavalheiro sem nome me ofereceu um lugar em um dos sofás gigantescos da sala de estar, depois se sentou do meu lado. Sua atitude gentil me fez ficar na defensiva, tensa demais para verbalizar qualquer palavra que fosse...
– Meu nome é Gabriel... Gabriel Drachen! – ele pareceu ler meus pensamentos. Percebi que da primeira vez que ele se dirigiu a mim, também não precisou de palavras minhas para responder meus questionamentos. O universo parecia girar cada vez mais, me deixando tonta...
– Muito prazer... Eu sou Renesmee – essa besteira foi a única coisa que me veio a mente para dizer. Até parece que ele não sabia! Tínhamos o mesmo sobrenome... No mínimo, éramos primos.
– Eu sei, minha linda – ele sorriu. Aquela evocação fez meus nervos ficarem à flor da pele – Ainda assim, não deixa de ser um imenso prazer ouvir seu nome!
Ele retirou um cacho rebelde do meu rosto, depois puxou um objeto do bolso. Era uma espécie de controle, que ele acionou sem precisar desviar os olhos de mim. Antes que eu perdesse a capacidade de respirar de novo, outra empregada se apresentou na sala.
– Gilda, por favor, prepare um chá para a senhora Drachen! – ele pediu, tão gentil como se nem tivesse o direito de solicitar o serviço.
A garota respondeu em um idioma diferente, em seguida foi cumprir a ordem.
O fato de tê-lo àquela proximidade e, ainda por cima, me encarando como se eu fosse feita de diamantes não era nem um pouco confortável! Descartei a possibilidade de sermos irmãos, ou primos... Para mim, foi começando a ficar claro que nossa relação de parentesco não era de sangue.
Soube que tinha que arranjar qualquer assunto que fosse, antes que eu tivesse um novo colapso nervoso.
– Em que país nós estamos?! – Guinchei. Geografia provavelmente era um bom tópico, quando se está tentando desviar a atenção de alguém. No entanto, minha pergunta saiu infantil demais...
– República Checa! – ele respondeu, como quem diz “Saturno”! Tratei logo de lançar outra pergunta, pra que o silêncio nem tivesse tempo de se instaurar novamente:
– Foi aqui que eu nasci?! – eu devia soar bastante retardatária para ele
– Não! – seu sorriso tranqüilo, ao contrário, fez parecer que ele estava fascinado por tudo que era inerente a mim – Você nasceu na América!
“América!” fiz um eco mental... Sim, a informação parecia concordar com alguma coisa no fundo do meu inconsciente. Mas porque todo o resto havia desaparecido da minha mente?!
– Eu sinto tanto por você estar passando por isso, Nessie... – ele se lamentou, e aquele nome que usou comigo provocou um novo lampejo dentro de mim – ...mas é maravilho saber que essa amnésia foi a única seqüela que restou do acidente!
– Acidente?! – minha voz subiu duas oitavas
– Sim... Você e eu sofremos um grave acidente de carro, durante nossa viagem aos Estados Unidos. Eu me safei com ferimentos leves, mas você ficou um mês internada na U.T.I! – o pesar em sua voz me fez gelar por dentro – Mas agora, diante da imensa sorte de tê-la viva, não quero desperdiçar tempo falando sobre coisas desagradáveis! – ele sorriu, mostrando um alinhamento perfeito de dentes, brancos gelo – Diga-me, o que gostaria de fazer hoje , minha princesa?! Jogar cartas?! Ler?! Cavalgar pelo bosque?!
Tantas opções... nem sabia por onde começar a responder, então sorri timidamente. Ele pareceu se iluminar com aquilo. Do nada, aproximou o rosto e pousou um beijo no meu pescoço, o que me fez, por instinto, reagir com uma esquiva. Suas sobrancelhas se uniram, então ele se afastou com um meio sorriso compreensivo.
– Eu peço desculpas! Acho que ainda é um pouco cedo para “isso”, não é?! – disse, depois segurou a minha mão esquerda.
Foi ai então que eu percebi a existência de um anel prateado no meu dedo anelar, que tinha algumas pedrinhas de brilhantes e que ele agora estava revirando com os dedos. Estive tão distraída com meus pensamentos que nem tinha me dado conta daquele objeto, mesmo durante o banho. Olhei automaticamente para a mão dele e vi a mesma jóia em seu dedo.
Exatamente o eu havia suspeitado: Éramos casados!
Me enrijeci como uma rocha. Ele não quis prolongar o meu desconforto, então se afastou um pouco de mim no sofá.
– Ah, já sei de algo que irá te interessar: Tocar violino! – ele exclamou, animado.
Encarei seu semblante natural, me perguntando se ele estava realmente esperando que eu levasse a sério a sua sugestão. Descobri que sim, seu olhar me encarava de volta, esperando uma resposta minha.
– Bem... – tamborilei os dedos no estofado – eu penso que não sei tocar violino, Gabriel! – vacilei um pouco, antes de pronunciar o nome pela primeira vez
– Será que não?! – ele ergueu uma sobrancelha arteira para mim – Não vai saber se não tentar!
Gilda ressurgiu na sala, trazendo com ela uma bandeja que continha uma xícara de chá e outra de café. Colocou-a na mesinha de centro a nossa frente, depois me serviu o chá, entregando a xícara com um lencinho para proteger minha pele da alta temperatura. Agradeci, conseguindo, dessa vez, me concentrar mais no aroma das ervas do que no aroma vindo do corpo da garota. Nem me passava pela cabeça a idéia de comentar isso com alguém, principalmente com o meu “marido”... No mínimo, ele iria mandar me internar de novo, só que na ala psiquiátrica!
Quando acabamos, ele me levou para fazer um tour pela gigantesca casa. Quando eu pensava que já tinha me impressionado demais, eis que um novo cômodo surgia e me tirava novamente o fôlego. Na copa, o teto ficava a uma altura tão elevada que chegava a provocar vertigem. No salão de música, a quantidade de instrumentos e o majestoso piano de calda preto eram de um charme sem igual... No entanto, outro lampejo tentou vir a tona diante daquele cenário. Provavelmente, eram apenas as minhas memórias perdidas daquela mesma casa, querendo voltar. Mas, sei lá, tinha um “q” de... sobrenatural, como que pertencentes a outra dimensão, paralela a essa. A figura imóvel de Gabriel me estendendo um violino forçou outra vez a minha concentração no mundo real.
Recebi bamba o instrumento, sem saber nem sequer como segurá-lo direito, ou o que fazer exatamente com aquele arco em minha mão.
– Tente, meu amor! – ele procurou me encorajar.
Temi desapontá-lo, principalmente por que tinha certeza de poderia rachar todos os vidros do recinto na minha primeira tentativa. Que jeito, parecia não ter mesmoo pra onde correr.
No entanto, para minha surpresa, assim que me propus a erguer os braços, eles tomaram automaticamente uma posição que me pareceu muito correta. As falanges dos meus dedos esquerdos se dobraram, pressionando as cordas, e meu polegar direito sustentou o arco sobre elas. Por fim, arrisquei seguir em frente...
Uma seqüência de notas belíssimas ecoou do instrumento, e me senti estranha por não ter consciência do que estava tocando... Apenas tinha os movimentos gravados na mente, e ela própria se encarregava de executar a melodia no meu lugar. Quando conclui, fui aplaudida por ele, que parecia tão impressionado quanto eu.
– Bravo! – ele disse – Eu sabia que você iria conseguir, foi impecável!
Desfiz a posição e olhei atônita para ele.
– Eu deveria estar tocando tão bem assim, sendo que perdi a memória?!
– Não faço idéia... – ele ergueu os ombros e eu franzi a testa, devolvendo o instrumento ao suporte.
Não nos demoramos muito mais no salão de músicas. O belo rapaz me convidou a uma caminhada pelo jardim. O céu estava nublado, mesmo assim foi um passeio muito agradável {com uma companhia tão singular, não poderia ter sido de outro jeito}. Percorremos todo o contorno da bela mansão vitoriana em aproximadamente meia hora, até que o almoço foi anunciado lá dentro e nós tivemos que interromper a caminhada.
À mesa, ele fez questão que eu me sentasse perto, ao invés de tomar o lugar no outro extremo, que devia ficar a uns três metros de distância. Comi tanto e tão rápido que devo ter impressionado {pra não dizer, chocado} a ele e a Gilda, que nos servia de prontidão. Depois da refeição, ele me pediu licença para resolver alguns assuntos, então fiquei livre para desbravar um pouco mais o lugar por minha conta.
No final do dia, quando retornou, eu já havia me familiarizado com tudo que dizia respeito à casa... Ele me encontrou na estupenda biblioteca, mergulhada em uma primeira edição de “Alice no país das maravilhas”, e rodeada de outras relíquias mais, que fui encontrando durante a tarde. Juntou-se a mim na minha expedição literária e me apresentou a suas obras favoritas, entre Alexandre Dumas e Sr Arthur Conan Doyle. Logo que a noite tomou todo o céu, o jantar estava servido. Ele lamentou que as refeições estivessem demarcando o dia, interpondo-se às nossas atividades... Mas eu não me senti de um todo insatisfeita. Devia estar com um bueiro no estômago, a simples menção de “comida” elevava meus ânimos ao máximo.
Novamente, a soberba mesa me abasteceu de tudo um pouco... Eu comia de uma forma quase animalesca, mas Gabriel parecia se divertir com aquilo, ao invés de repudiar minha falta de etiqueta como deveria. Ele era encantador e, por mais que eu ainda me sentisse receosa quanto a nossa relação, no íntimo já nutria um grande afeto por ele. Uma admiração natural, seguida de um sutil eriçamento nos meus pelos, toda vez que ele se dirigia a mim.
Às nove horas mais ou menos, senti que não agüentaria mais um segundo sequer acordada, então ele me acompanhou de bom grado até o meu aposento.
– Sinto muito por tê-la deixado sozinha durante a tarde, tinha alguns assuntos inadiáveis de trabalho pra resolver! – ele se lamentou, tocando o contorno da minha face com delicadeza
– Não sinta, não foi difícil me entreter sozinha! – disse alarmadamente – Essa casa é tão grande e atraente... Não tive nem um minuto de ócio, pode acreditar!
Ele sorriu seu sorriso impecável, a mão de veludo ainda pousada em meu rosto.
– Então... Bons sonhos pra você! Posso ter a honra da sua presença amanhã para o café?! – seu olhar penetrou no meu com o pedido.
Corei. Minha resposta se limitou então a uma confirmação com a cabeça.
– Ótimo! Te vejo amanhã, querida!
Ele pousou um beijo leve em minha testa, depois seguiu de volta para o andar de baixo, eu supus. Quando fechei a porta do quarto, senti uma imensa dificuldade cardíaca e respiratória... Algo tão embaraçoso que me fez correr para debaixo dos lençóis, como uma criança boba. De certo, tínhamos um vínculo muito forte antes do acidente... Algo que já estava tentando aflorar, ultrapassando as barreiras da memória e do bom senso. Não era natural se afetar tanto e tão intensamente por alguém, num período curto de um dia... Pelo menos eu achava que não. Não me sentia pertencente ao gênero das mulheres que sofriam de paixonite aguda e outras besteiras mais... No entanto, me vi presa em uma rede conspiratória feita por meus próprios sentimentos. Como seu um ima os estivessem atraindo de mim para Gabriel, hipnotizados. Uma atração cósmica, contínua e constrangedora.
Em meio a essa desordem emocional, adormeci sem perceber. Acordei com o cantar do galo na manhã seguinte. Eram 4:00 am e tudo ainda estava tingido de azul marinho. Fiquei irritada comigo mesma por isso... sem sombra de dúvidas, eu tinha sido a primeira a acordar e detestei pensar que teria de esperar sozinha, naquela casa enorme, até que todos despertassem. Não foi uma boa idéia dormir com a roupa que eu havia passado o dia inteiro vestida... ela amanheceu toda abarrotada. Limpa, mas sem condições de ser usada novamente. Convenientemente, eu devia ter roupas naquele armário enorme suficientes para nunca precisar usar um figurino mais do que uma única vez {outro aspecto que provocou a sensaçãozinha de deja-vù no fundo da minha mente}!
Me troquei {eu estava certa sobre as roupas...}, e desci para encontrar a solidão do fim de madrugada. Porém, para minha surpresa, toda a casa já funcionava normalmente. Alguns empregados trabalhavam no jardim, e notei uma movimentação vinda da área da cozinha. Ao que parecia, minha solidão não seria tão “solitária” quanto imaginei.
– O que está fazendo de pé a uma hora dessas, meu amor?! – topei distraída com Gabriel, parado na minha frente com uma expressão divertida. Levei a mão ao peito com o susto.
– Desculpe, eu não pretendia acordar agora... Acho que me recolhi cedo demais!
– Não precisa pedir desculpas, Nessie! – ele disse com doçura – Eu é quem devia me desculpar por assustá-la assim, meu amor!
Seus braços me envolveram contra seu corpo, massageando minhas costas carinhosamente. O cheiro que vinha dele era tão bom que eu nem consegui reagir contra o gesto. Me perguntei o por que de não me sentir atraída gastronomicamente por ele, assim como tinha sido com as garotas ontem. Minha atração, nesse caso, se dava por outros motivos...
Nosso segundo dia juntos foi praticamente igual ao primeiro, com a diferença de que ele não se ausentou em momento nenhum. Minha hora de dormir se estabeleceu dessa vez às dez da noite, quando o mesmo ritual singelo se repetiu: Ele me acompanhou ao quarto, deixando comigo um beijo de boa noite e a expectativa pelo próximo dia.
Passei a segunda noite quase toda em claro, receosa demais para sonhar... ansiosa e com taquicardia. Dizer que dormi por duas horas é exagero, não devo ter conseguido passar tanto tempo assim inconsciente. Esperei até que os raios da manhã iluminassem razoavelmente o meu quarto, então empurrei os lençóis e fui me arrumar para descer.
Gabriel dessa vez havia organizado um passeio a cavalo pelo bosque que tínhamos mais a frente do jardim. Não pensei que fosse me sentir tão a vontade sobre o lombo alto daquele animal, mas fui pegando os macetes no decorrer da cavalgada, que não passou na verdade de um galopar sossegado entre as árvores. Fui descobrindo aos poucos que o bosque era na realidade uma floresta densa, que costeava o lago até se perder de vista. Nos estendemos bastante no que eu pensei que seria um breve passeio. Na metade do trajeto, Gabriel olhou no relógio e anunciou que já eram quase uma da tarde. Nenhum de nós havia percebido o tempo passar... Ficamos absorvidos em conversas sobre tudo que se poderia imaginar. Eu só precisei de dois dias para me desinibir e começar a introduzir assuntos com conteúdo um pouco menos superficial. Ele pareceu muito satisfeito com o meu progresso.
– É ótimo te ver tão comunicativa outra vez, Nessie! – ele disse, saltando do cavalo para um pequeno intervalo antes da volta – Já estava com saudades dessas nossas conversas...
– Eu sinto muito... – insisti, contudo, em ficar toda hora me desculpando, sem graça
– Pelo quê?! Era natural, você estava se acostumando com as coisas. Não esperaria outra reação sua, sempre tão meiga...
– Não, é você que sempre tem que ser muito gentil! – disse, aceitando seu auxílio para descer do cavalo.
Meu pé, contudo, ficou preso na cela e eu me desequilibrei, tombando por sobre o seu corpo. Habilidoso, ele me sustentou com rapidez antes que nós dois caíssemos na grama. Todo o meu zelo em me mostrar perfeita diante dele, desfeito em apenas um segundo de distração... Praguejei pra mim mesma de olhos fechados, esperando que aquilo não estivesse acontecendo, enquanto ele me ajudava a me recolocar de pé. Sua respiração ficou próxima demais, balançando de leve os cabelos no topo da minha cabeça de vento. Fui incapaz de esconder o rubor em minhas bochechas quando abri os olhos e me deparei com ele me encarando àquela mínima proximidade. Passou-se um bom tempo, até que ele finalmente soltou os meus ombros e se afastou.
– Você está machucada?! – ele não evidenciou estar na mesma sintonia idiota que a minha.
Fiz que não com a cabeça, a comunicação muda era a marca registrada da minha inabilidade mental em me expressar com sinceridade... estava com meu ego machucado!
Começou a chover sobre nós. Ele me puxou sem aviso para debaixo da copa de uma árvore próxima, onde poderíamos escapar dos pingos mais grossos. A situação me causou tensão nos músculos, e eu me vi contando os segundos para que aquele suplício embaraçoso acabasse e eu ficasse livre para respirar regularmente outra vez. O cheiro que vinha dele era tão... bom... Cheiro de couro e menta. A mão firme que ele pousou de volta no meu braço me puxava protetoramente mais pra perto, enquanto meu corpo lutava contra o contato prolongado dos nossos corpos. Estava a ponto de perder o juízo, um aspecto estranho à minha natureza, mas que eu não conseguia evitar agora.
Finalmente, após 2.329 segundos de espera, a chuva cessou a um ponto em que podemos dar início ao nosso percurso de volta pra casa, que, por sinal, foi muito silencioso, quebrando a atmosfera descontraída que havia germinado ao longo dos dois dias entre nós.
No almoço de meio de tarde, não precisei me preocupar em não parecer uma porca... Pouca coisa me instigou a levar o garfo até a boca, por mais avantajado que estivesse o nosso cardápio. Estava retesada, tensa como as cordas do meu violino... com medo demais de deixar transparecer algo que, na nossa situação de casal, seria óbvio: atração! Me retirei para o meu quarto depois de uma contida despedida, e de lá não saí mais naquele dia.
O anoitecer trouxe Anita e sua travessa de comida, que eu rejeitei, alegando que estava um pouco enjoada, o que não deixava de ser verdade... Já estava enjoada de me sentir tão estúpida. Ela me entregou uma camisola branca com estampas pretas de arabescos, depois saiu. Sozinha com minhas meditações inúteis, me preparei para a virada do terceiro para o quarto dia. Era estranho, mas eu cronometrava o tempo como se esperasse por algum tipo de resgate... o que não fazia nenhum sentido, já que eu estava em casa e contava com total conforto {a não ser pelo emocional, por enquanto}! “Subconsciente maluco” foi o que pensei, antes de pegar no sono.
Meus sonhos seguiram uma seqüência estranha naquela noite. Vislumbres de alguns lobos, correndo em bandos por uma floresta... Pessoas pálidas, com olhos de bronze e aparências tão perfeitas quanto anjos, me circundando em posições estáticas... Me olhando, como se me lançassem um chamado! Dois pequeninos bebês estavam com eles, seus olhinhos escondidos sob capas não eram como o dos demais... No entanto, eram os que, de uma certa forma, mais clamavam por mim. Então, como num passe de mágica, feras e humanos estavam todos juntos, dando a entender que eram um grupo só... e, de repente, os lobos já não eram mais lobos... Eram homens fortes e altos, com peles morenas e aspectos muito bonitos, embora agressivos. Alguns rostos exerciam um efeito tão captador sobre meus olhos, que eu quase podia jurar que os conhecia. Um dos que se tornaram homens, o mais bonito entre todos, me causou calafrios quando sua aproximação decidida até mim trouxe consigo uma frase clara demais para um mero sonho: “Eu vou encontrar você!”
Despertei bruscamente, fazendo ranger um pouco as molas da cama. Percebi que aquele calor que estava sentindo no meu corpo era proveniente dos raios solares sobre mim, vindos da janela aberta ao lado da cama. Já passavam das 10:00am e eu ali, me deixando impressionar por visões sem sentido de anjos e lobisomens musculosos. Pelo menos dessa vez eu não madruguei de novo. Ia se péssimo ter que me explicar a respeito da minha turbulência noturna para a pessoa cuja presença nesses dias poderia ser considerada a principal causa disso...
Substitui minha camisola por um vestido balonê branco e desci. “Ele” não estava lá, somente um bilhete endereçado a mim sobre a mesa do café, que ainda me esperava:
“Minha Nessie,
Creio que a pena por ser próspero
sempre foi e sempre será
ter que viver entre os ricos...
Minha presença foi requisitada para
uma audiência com alguns burocratas,
sócios esnobes da empresa que eu
infelizmente não posso ignorar.
Não me espere para o almoço, querida...
Mas salve um lugar pra mim no
seu coração para o jantar.
Sei que você encontrará algo com o que
passar o tempo.
Um beijo de alguém que te ama
e que já está lamentando a sua ausência!
G.D”
Cada palavra... a disposição das letras... a essência daquela mensagem... tudo que tinha alguma relação com Gabriel... Eram fortes demais para coexistir com meu juízo! Desequilibrei sobre uma cadeira, segurando trêmula o bilhete como se ele lançasse pequenas correntes elétricas para os meus nervos. Comecei a sentir que seria insuportável aguardar seu retorno até a noite. Eu parecia ter agora algo a lhe dizer... Uma nova atitude que queria lhe dispensar, quando nos reencontrássemos. E tudo isso por conta de um simples bilhete... Eu devia ter sido mesmo aquele tipo de garota que julguei tão passional e sugestionável, antes de perder a memória. Mas quem ligava?! Se fosse pra me sentir daquele jeito... dopada de afeto por alguém... Não me importava muito em ser antiquada durante o processo.
Passado um dia longo e sem movimento, o badalar das 6 horas no relógio de corda da sala trouxe de volta quem eu tanto esperei. Ele surgiu pela porta, carregando um enorme embrulho nos braços. Dois brutamontes o escoltavam, usando óculos de sol como se ainda fosse dia. Me ergui da leitura no carpete e corri até ele, um sorriso satisfeito franzindo o seu nariz.
– Sentiu minha falta, minha princesa?!
Parei diante dele, brigando com meu próprio corpo para não parecer entusiasmada demais. Era esquisita a luta interior que eu estava enfrentando, mas, nas atuais circunstâncias, eu até poderia dizer que aquilo acrescentava uma pitada de comédia ao nosso quadro desengonçado.
– Sim! – sorri de volta pra ele – Pensei que nunca mais iria voltar!
Ele se achegou até mim, ainda equilibrando aquele pacote em uma mão, e me deu um beijo suave e demorado na bochecha. Fechei automaticamente os olhos, saboreando o gesto com a imaginação.
– Pareceu uma eternidade para mim também! – ele disse docemente, ao fim do beijo – Mas, para compensar a demora, te trouxe um presente. Uma coisinha simples, mas creio que irá alegrar suas noites de sono.
Não tive como evitar o estremecimento dos meus membros. Ele, outra vez, parecia adivinhar tudo que eu precisava. Os dois guarda costas foram dispensados para fora e então ele me levou com o pacote até a varanda.
– Aqui, o teto é mais baixo... Vai ficar melhor para te mostrar! – disse, assim que atravessamos as portas de vidro da sala para a sacada.
Ele mesmo desembrulhou o presente, como uma criança quando quer agradar alguém querido. Eu rui as unhas de ansiedade.
No momento em que a papelada veio ao chão, um objeto metálico e redondo se mostrou diante de mim, sobre a mesa da varanda. Eu não entendi do que se tratava, mas ele sorriu e pediu um tempo com os dedos. Depois, mexeu em algum botão... Um clarão subiu através de um orifício no topo do objeto, e eu fui atraída a olhar pra cima.
– É um projetor! Amplia fotografias para o teto com a luz... – ele me explicou, enquanto eu me perdia entre imagens dele e minhas, que giravam lentamente no teto de gesso sobre nós – Encontrei em uma lojinha de antiguidades, e achei a sua cara! Não podia deixar de trazer.
Outro lampejo teimoso conseguiu tirar minha atenção por um segundo, após escutar aquela frase... Mas eu disfarcei, olhando pra ele com a cara mais contente que pude fazer.
– É lindo... Justamente os que eu estava precisando! Como adivinhou?!
Ele deu de ombros.
– Não sei. Você me pareceu estar tendo algumas dificuldades durante as noites... Não gostaria que o problema persistisse, então te trouxe isso! Gostou?!
– Se gostei?! Eu adorei!! – disse, indo em seguida me atirar em seus braços.
Ele pareceu surpreso com minha investida, por que demorou um pouco a corresponder, passando os braços em volta de mim. Acabei me dando conta do que tinha feito e, com vergonha {sempre...}, me afastei. Ele não se opôs, parecia estar resignado àquilo que eu escolhesse lhe demonstrar. Externei um sorriso em gratidão por sua paciência.
– Vou pedir que Anita o instale no seu quarto. Vamos jantar agora!
A refeição foi perfeita... O simples fato de ele estar ali comigo já era uma contribuição para isso até melhor do que o próprio banquete servido. Conseguimos reatar nossa conversação descontraída, e eu até me atrevi a perguntar sobre os pais dele. Me intrigava bastante o fato de alguém tão jovem como ele já viver por conta própria, e ainda mais, com tanto luxo. Ele me contou em poucas palavras que sua mãe havia morrido no parto e o pai sempre foi um homem distante, ocupado demais com os negócios para dar atenção a ele. Me contou que foi uma daquela crianças criadas pela governanta e mordomos, e que, apesar de uma infância abastada, sempre se sentiu infeliz por sua relação com o pai. Aprendeu a priorizar a estabilidade familiar, por isso havia se casado tão cedo.
– Vi em nós dois a felicidade ideal e não a deixei escapar! – ele me disse, beijando o dorso da minha mão com leveza. Eu corei inevitavelmente, aquela galanteria toda parecia coisa de outro século, exatamente como a imagem que eu tive dele na pintura.
Assim como havia sido nos primeiros finais de noite, ele me acompanhou até meu quarto. Nessa oportunidade, porém, arriscou um trajeto de mãos dadas comigo até a entrada do aposento, o que eu permiti timidamente, mas com uma satisfação enorme no meu íntimo. Houve aquela paradinha, antes que eu me recolhesse em definitivo, e ficamos frente a frente: ele me encarando com docilidade e eu olhando para os meus próprios pés.
– Espero que o presente tenha uma eficiência imediata! – ele colocou sua mão em meu rosto, afetando os pelos da minha bochecha e costas.
– Sim! – foi o máximo que eu consegui verbalizar, não querendo acabar com a sensação gostosa das borboletas no meu estômago.
– Boa noite, minha Nessie!
Ergui meus olhos para oferecer um cumprimento satisfatório. Ele devolveu o olhar com uma intensidade paralisante. Depois, pareceu um pouco relutante diante de mim.
– Será que... posso... – ele gaguejou – ...Você... me permitiria te dar um beijo dessa vez?! Creio que é capaz de imaginar a falta que isso tem me feito nesses dias... Prometo que serei breve!
Gostaria de saber se no universo inteiro poderia existir uma resposta apropriada àquele pedido tão... retoricamente Irresistível! Seu cavalheirismo dispensava palavras, mas mesmo assim eu permanecia de boca aberta, ainda preocupada em externar qualquer coisa que o impedisse de se sentir sem graça. Por seu merecimento, ele poderia pedir muito mais, se não fosse tão sensível ao meu estado... e teria todo o direito de fazer isso.
– Eu... – foi minha vez de tartamudear, engolindo em seco primeiro – ... creio... Sim!
Seus olhos se iluminaram com minha afirmativa e ele então começou a avançar o rosto lentamente na minha direção, enquanto sua outra mão pousou em meu rosto. Apenas fechei os olhos, a expectativa com o toque dos nossos lábios fazia minha perna tremer nervosamente embaixo de mim.
No entanto, “nada” foi a única coisa que eu senti... Sim porque, estranhando a demora da chegada de seus lábios, abri meus olhos para espiar o que acontecia e me peguei já de rosto colado com o dele. Evidentemente o beijo estava acontecendo naquele exato momento, apesar de eu não ter consciência disso... Foi triste, como se a minha boca estivesse sob efeito de uma anestesia inconveniente.
Deve ter sido horrível pra ele também, pois logo se afastou como prometido, mas com uma cara confusa. Não parecia zangado... Parecia frustrado consigo mesmo!
– Me desculpe! – minha frase preferida se lançou pelas minhas cordas vocais frouxas
– Pelo quê, foi maravilhoso! – ele concertou subitamente o semblante, soando estranhamente sincero no que dizia – Pare de ficar toda hora se desculpando meu amor, já está me deixando aflito.
Gabriel beijou de leve minha pálpebra esquerda, depois assumiu uma expressão realizada.
– Até amanhã, querida! – ele piscou pra mim, depois se virou e saiu.
Tive a impressão, não sabia o motivo, de estar perdendo algum detalhe {além, é claro, daqueles que se limitavam ao meu passado...}! Estranhei uma pressão vinda da minha mão direita e, quando olhei pra ela, vi que estava fechada em punho, tremendo convulsivamente.
– Que horror! – exclamei sozinha, ainda na entrada do quarto, assustada com a reação involuntária. Sacudi o membro um pouco, conseguindo fazer com que parasse de tremer depois de alguns segundos. Entrei em seguida.
Antes de deitar, liguei o meu projetor e deixei as imagens flutuarem no teto. Fiquei acordada até por volta de umas 2 horas da madrugada, sem conseguir atrair o sono de jeito nenhum. Entender o que havia acontecido me impedia que querer finalizar aquele dia de vez. Será que a minha falta de sensibilidade era em ocasião da minha amnésia?! Seria daquele jeito dali pra frente, nossos desejos naturais um pelo outro, fadados a nunca serem correspondidos {para mim, pelo menos}?! Não conseguia aceitar aquilo, era frustrante demais. Menos mal que pra ele não havia sido ruim... Mas e eu?! Também queria sentir a mesma felicidade quando o beijasse! Droga, aquilo era tão injusto...
Das 2 em diante, aqueles sonhos malucos outra vez vieram me visitar, apesar do meu novo brinquedo, que supostamente deveria ter funcionado como para-raio. Com a mesma intensidade e nitidez, aquelas pessoas ressurgiram nas minhas visões... E aquele rapaz tão bonito, outra vez invocando minha esperança ao repetir as palavras “Eu vou encontrar você!”... “Eu vou encontrar você!”. Despertei do mesmo modo sobressaltado do dia que ficou para trás, indagando o que poderia representar aquela insistência tão grande do meu inconsciente. Era confuso, desconexo... Mas ainda assim, reconfortante. “Que droga Renesmee, é só um sonho bobo de ficção!” foi o que tentei enfiar na cabeça.
Quinto dia. Estava bem frio, me equipei com um casaco branco de lã. Gabriel, como sempre, já estava acordado antes de mim, esperando para me receber com uma explosão encantadora de sorrisos. Tomamos café ao ar livre, nossa mesa posta na sacada nos providenciava uma refeição divina e com aquela vista perfeita. Os guarda-costas permaneciam parados de prontidão, juntamente com Gilda e uma nova empregada, Frida. Aqueles óculos de sol nos rostos dos dois me pareceram uma coisa tão gozada que não me contive em perguntar se eles os usavam as 24 horas do dia.
– Sim! – Gabriel me respondeu – Às vezes, eu até brinco de tentar adivinhar qual seria a cor dos olhos deles...
Nós dois rimos, mas senti uma pitada de desconforto em seu tom. Porque meu cérebro continuava a insistir naqueles detalhes insignificantes eu não sabia, mas me decidi a ignorá-los terminantemente dali pra frente. Era perda de tempo ligar para minúcias tão despropositadas.
Depois do almoço, sugeri que ele me levasse para um tour pela cidade, mas ele me advertiu que aquilo ainda não era uma boa idéia.
– Ainda é muito cedo para isso, meu amor! Você sofreu um trauma grave, precisa permanecer perto de casa por uns dias mais. Me desculpe! – ele se lamentou, mas eu compreendi.
Ele me convidou a assistir alguns filmes com ele, já que teria aquela tarde de folga. Conversamos bastante também, e ele me anunciou que o pai havia concordado em se juntar a nós dentro de dois dias. Não escondi uma preocupação a respeito do fato, por conta do que ele tinha descrito sobre a relação entre eles dois.
– Não precisa se preocupar. Meu pai sempre nutriu uma enorme admiração por você.
Percebi naquele instante que ainda não tinha ouvido nada a respeito da minha própria família de sangue. Mas quando tentei puxar o assunto, ele desconversou de uma maneira incomum e até... arredia. Decidi não insistir por hora, apesar de aquela atitude misteriosamente sombria dele ter despertado em mim uma gigantesca curiosidade que eu não poderia adiar por muito tempo. Mas minhas respostas teriam de esperar...
Uma nova noite, um novo beijo de boa noite. Outra vez, a lacuna da falta de sensibilidade do gesto.
– Bons sonhos, querida! – ele disse, seu tom estava pesaroso – Peço perdão pela forma grosseira com que evitei o assunto da sua família hoje mais cedo... É que a nossa situação com eles é meio delicada. Gostaria de deixar essa questão para uma outra ocasião, está bem?!
– Tudo bem, não tem problema... – disse, sem saber se concordava mesmo com o que estava dizendo – Tenha uma boa noite também, Gabriel!
– Obrigado! – ele se virou para sair, mas se voltou no meio do caminho – Amanhã, eu... quero te fazer um agrado bem cedo. Espero que não se incomode em deixar a porta do quarto destrancada...
– C-Claro que não, eu deixo sim! – gaguejei sem ação
– Ótimo! – ele disse, depois deu continuidade ao caminho dele.
Me joguei sobre o colchão, sem saber o que pensar sobre o pedido que ele fez. O que estaria pretendendo com aquilo?! A simples conjectura me fez estremecer, eram tantas possibilidades... Dormi sem perceber novamente, com as penas para o lado de fora e a roupa do dia no corpo outra vez.
Aqueles mesmos sonhos persistiram uma noite mais, sufocando meus sentidos, inquietando meu subconsciente... angustiando meu espírito severamente. Acordei aos gritos e fui contida por braços fortes que me ampararam. Me agarrei a eles, necessitando mais da proteção do que de saber quem estava ali comigo.
– Está tudo bem, você está segura meu amor! – era Gabriel, graças a Deus.
Vi por sobre os ombros dele, enquanto tentava parar os soluços, uma bandeja de prata ainda tapada sobre minha mesa. Ele havia me preparado o café da manhã, tinha planejado me servir na cama. Agarrei-o com mais força, feliz por ele me oferecer algo tão singelo, em meio a todo aquele meu tormento.
Dedicado, ele me serviu os alimentos praticamente na boca, parecendo temer que eu me esforçasse demais. Depois que terminamos, ele achou que o ar livre me faria bem, então descemos para o jardim. Escolhemos um dentre os vários bancos do local e nos sentamos. Era cedo, mas o sol até que brilhava...
– Você já está se sentindo melhor?!
– Mais ou menos... – só consegui sussurrar pra ele – Ainda sinto umas palpitações no coração!
Ele acariciou meu rosto com uma expressão preocupada, fazendo uma leitura do meu semblante abatido.
– Nessie?! – ele chamou pelo meu olhar, que eu elevei lentamente até o dele
– Sim?!
– Eu nunca irei permitir que ninguém te tire de mim. Vou te proteger de qualquer um e... qualquer coisa! Creia no que eu digo, você está segura. Ninguém fará nada contra você, eu prometo, meu amor!
Congelei diante dele, sem saber como ele mais uma vez foi capaz de dizer exatamente as palavras que eu precisava escutar.
– Por que você está dizendo isso agora?! – perguntei
– Por que eu sou o único capaz de te dar o amor que você merece. E eu quero dá-lo a você, por todos os dias da minha vida! Não vou deixar que nada me impeça de fazer assim.
Suas palavras enterneceram meu coração eu lancei meus braços para ele, abraçando-o com força e desespero contra mim. Sabia que podia confiar em suas promessas, ele tinha tudo para cumpri-las totalmente.
Sem motivo aparente, seus braços, também em volta de mim, folgaram e passaram para o meu ombro, me afastando. Sua expressão estava horrorizada, enquanto olhava fixamente para algo atrás de nós. Era um olhar tão assombrado que, por uns segundos, tive até medo de acompanhá-lo. Mas, enfim, tomei coragem e encarei a direção que originava tanto pavor em seu semblante.
Poderia estar esperando qualquer coisa, menos o que visualizei quando virei o rosto...
A figura de um lobo descomunal, parado no alto da sacada... espumando e ameaçando investir contra nós. E pra piorar: Era exatamente um dos lobos que eu vi nos meus sonhos... pelos avermelhados, olhar penetrante mesmo à distancia. Gabriel se ergueu do banco e eu o acompanhei por instinto, me protegendo atrás do corpo dele. Mas, do nada, ele se afastou de mim e começou a correr para longe...
Não cri no que estava vendo... Ele realmente estava me deixando para trás, entregue como uma presa fácil ao lobo faminto?! Era cruel demais, não era uma realidade concebível... Principalmente depois do que ele tinha acabado de me prometer. No entanto, a próxima coisa que senti foi um solavanco do vento... o imenso animal me ultrapassou e correu direto atrás dele, me ignorando como se eu nem estivesse ali. Estremeci, sem reação.
Antes que eu conseguisse sentir o pavor pela cena, foi outra sensibilidade que a ultrapassou, envolvendo meus sentidos como seda... retirando uma membrana viscosa que estava nublando minha capacidade de julgamento por todo aquele tempo... Tombei para o chão, e tudo ao redor escureceu.
Na penumbra, me dei conta de tudo que havia ocorrido ao longo daqueles seis dias, que mais pareceram um só agora ... Me dei conta de que não me chamava Renesmee Drachen... De que nunca havia sofrido acidente nenhum... De que meus lábios não conseguiam sentir os beijos daquele alguém que me enfeitiçava... Porque meu coração pertencia a um lobo... Exatamente aquele lobo que estava ali... vindo de longe para matar Gabriel Drachen, meu pior inimigo.
– Nessie!! Nessie, acorde! – uma voz conhecida me trouxe aos poucos de volta à realidade louca. Era minha mãe... ela tinha me envolvido com seu escudo, dissipando a camada nojenta de ilusões que me cegavam...
Abri meus olhos.
– Jake! – foi o primeiro nome que pronunciei, com um desespero implícito na voz – Ele veio me encontrar! Depressa, precisamos ajudá-lo.
Me levantei cambaleante da grama e focalizei todos os rostos que fizeram parte nos meus últimos dias apenas como sonhos indecifráveis... Agora claramente de volta aos seus devidos lugares em meu coração. Meu pai berrou para frente, o que me levou a direcionar minha atenção para onde estava olhando.
Meu Jake... e aquele monstro... se embolando no chão... indo direto para o interior do bosque.
Me lancei desesperada atrás deles, e meus queridos me seguiram também. Em menos de dois segundos, convertemos o espaço até eles em nada.
Tudo que havia no fundo do barranco inicial do bosque eram um corpo destroçado... o corpo do maldito, finalmente destruído... e o meu lobo, estranhamente deitado no chão. Corri para ele, o primeiro impulso que tive, ao vê-lo no mesmo chão que seu adversário. Se havia vencido a batalha, por que estava caído também?!
– Depressa, façam uma fogueira com este isqueiro e queimem as partes do maldito nela – vovô Carlisle ordenou
– O que aconteceu?! O que há com Jacob?! – Minha mãe veio ao chão junto comigo, percebendo que havia algo errado.
Eu estava muda de pavor, esperando alguma resposta plausível sobre o que se passava. Meu pai se aproximou do imenso corpo animal e, após correr o nariz por um segundo em redor dele, arregalou os olhos.
– OH NÃO... ELE FOI MORDIDO!!
– O QUÊ??!! – minha mãe berrou... exatamente o que eu quis fazer ao escutar aquilo –COMO?! O OUTRO ESTÁ DESTROÇADO... É IMPOSSÍVEL!
– A PATA DELE... ESTÁ VASADA, E COM CHEIRO DE VENENO! DEVE TER ACONTECIDO QUANDO ELE DECAPTOU A CABEÇA DO DESGRAÇADO... CARLISLE, RÁPIDO, FAÇA UMA SUTURA COM TECIDO, PRECISAMOS IMPEDIR QUE O VENENO SE ESPALHE... VOU TENTAR SUGAR...
A figura animal começou a se transformar de volta em humana, expondo o corpo nu do meu Jacob. Rasguei desesperada o casaco que estava vestindo e o cobri, protegendo-o da exposição. Ele estava ficando pálido demais... Começou a se sacudir sobre meus braços.
– AI MEU DEUS, ELE ESTÁ TENDO UMA CONVULSÃO... AJUDEM-NO, POR FAVOR... POR FAVOR...
Meu avô havia prendido o casaco na perna que estava ferida, enquanto meu pai tentava sugar com dificuldade o veneno do corpo do amigo. Ele se ergueu por fim, uma expressão de terror compondo seu rosto.
– É tarde demais, o veneno se alastrou por todo o sangue... Não há como sugar, sem matá-lo!
– O QUE ESTÁ FAZENDO, MEU AMOR?! CONTINUE A SUGAR, ELE JÁ ESTÁ FICANDO SEM COR... – minha mãe insistiu, clamando atormentada
– Eu sinto muito... se espalhou... depressa demais... Droga! DROGA!
Me pus de pé, assombrada ao ver que ele estava certo. Meu Jake... havia expirado. Seu corpo, estirado no chão, não esboçava mais nenhum movimento. Meu coração gemeu dentro do peito.
– NÃO!! É MENTIRA, NÃO PODE SER IRREVERSÍVEL... DÊEM UM JEITO NISSO!! SALVEM ELE, POR FAVOR!! SALVEM O MEU JACOB AGORA!!!
– NESSIE... SEJA FORTE... NÃO HÁ MAIS JEITO, MEU AMOR... – Vovó Esme tentou me consolar, com aquelas palavras que apenas liquidavam com minha vontade de viver
– NÃO É VERDADE!! CALA A BOCA, NÃO É VERDADE!!
Meu corpo foi impelido de volta para o chão e eu senti meus lábios se retesarem, expondo meus dentes. O que era aquilo que estava tomando meu corpo, como possessão?! Só o que consegui sentir foi uma repentina confiança de que aquilo resultaria em algo eficaz.
– RENESMEE, NÃO FAÇA ISSO! – Aly julgou que eu faria algo absurdo, mas ninguém pode mais me impedir de completar minhas intenções.
“Agüente Jake... Resista... por mim!” foi o que transferi mentalmente para ele com as mãos, sem saber se receberia a mensagem ou não... Sem sentir mais seu coração bater.
Depois, afundei os dentes no braço dele.
Meus olhos se cerraram... meus dedos se cravaram sobre sua pele gelada...
Mas não era o movimento de sugar que estava acontecendo, entre o interior da sua pele e minha boca...
Era um estranho formigamento nas minhas gengivas... Expelindo alguma coisa para dentro dele...
...alguma coisa quente que não fazia idéia do que era.
O sangue do meu Jake começou a vazar pelos cantos dos meus lábios, enquanto eu continuava apertando a mandíbula contra o braço dele...
Injetando, e não sugando...
– O QUE ESTÁ FAZENDO, NESSIE?! PARE JÁ COM ISSO! – Mamãe começou a me puxar, tentando me impedir de continuar. Acho que meu pai fez alguma coisa para impedi-la de me atrapalhar, retendo-a com as mãos.
– Espere Bella, deixe-a...
Um minuto inteiro se passou, até o momento em que eu desprendi meus dentes do corpo inanimado da minha razão de viver. Não sabia o que estava esperando acontecer dali pra frente, mas não conseguia desviar os olhos dele por uma única fração de segundo sequer.
“Foi veneno isso que eu injetei nele, pai?!” Perguntei mentalmente, começando a sucumbir desesperada novamente à realidade de que o havíamos perdido para sempre.
Subitamente, o peito de Jake arquejou um pouco para cima, e ele liberou um silvo arrefecedor. Todos arregalamos os olhos, espantados com o acontecimento já considerado impossível. Minha mão sobre o peito dele sentiu o pulsar fraco de um coração querendo voltar a bater... lágrimas quentes se derramaram sozinhas dos meus olhos, invadindo minha boca entreaberta de emoção.
Meu pai pousou a mão no meu ombro, com um olhar triunfante.
– Veneno não, Nessie...
Ele depois se voltou para os outros, erguendo-se como se saísse de um abismo.
– O antídoto... aquilo que só você, como híbrida mulher, poderia produzir: Contra-veneno, minha filha!!
Fanfic escrita por Raffaella Costa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Expresse sua opinião e incentive a autora! O que achou deste capítulo?