Ponto de Equilíbrio
Nos limitamos a encarar o grupo como se fossem nuvens disformes! A gramática e construção daquela frase abriram uma brecha semântica em nossos cérebros. Não tinha lógica, eu não poderia ter escutado mesmo aquelas palavras, e naquela ordem... Só poderia ser um engano maluco!
– Novamente, insisto que não compreendo! Lionel veio aqui matar o próprio filho? Como isso pode ser?! – meu avô perguntou
– Vocês não sabem?! – Aro pareceu chocado – Ora, mas isso é muito estranho...
– De certo, foram enfeitiçados também! – Jane falou enfim
– O lasso de Bella foi eficaz contra isso... – meu pai objetou, dando de volta o ar de sua graça – Estamos perfeitamente lúcidos.
– Se estão lúcidos mesmo, como estão defendendo aquele verme?! – Lionel vociferou para meu pai – Vejam só, o sujeito é tão asqueroso que nem sequer tem a dignidade de aparecer!
– Como um pai é capaz de falar assim sobre o próprio filho?! – Aly, assim como o resto de nós, não conseguia conceber aquela realidade – E pior... Se voltar contra ele ao ponto de querer matá-lo?!
– Edward, não contou a eles a quem estava entregando a mão da sua filha?! – Aro permanecia forçando o horror nos trejeitos
– Eu acabo de tomar conhecimento da verdade, através da mente de Lionel. E, por Deus, esqueça já esse absurdo de que eu entreguei a mão de minha filha a ele, ou que o estamos defendendo... Essas são as piores mentiras possíveis, eu lhe asseguro.
– Bem, então... Esclareça o restante do grupo deles Lionel, antes que sejas confundido com um tirano!
Objetivamente, os sofás do largo cômodo foram tomados, de um lado pelo nosso grupo, do outro pelo deles. Ainda protegida por minha mãe, eu partilhei do mesmo espírito de ansiedade que pairava em minha família, enquanto Lionel externava muita insatisfação por ter que esmiuçar toda uma história para nós.
Ele então começou a contar a verdade por trás do enigma “Gabriel Drachen”!
Contou que, há exatos 448 anos, ele encontrou uma criança de uns 4 anos quase morta nas ruínas de um vilarejo camponês da Alemanha, devastado pela inquisição católica. Na época, ele cumpria um disfarce de clérigo e já possuía uma grande fortuna acumulada por milênios e era o vampiro mais poderoso do pais. A criança em questão era uma menina chamada Laura Engels, que o encantou de uma forma tão intensa que o mesmo sentiu-se incapaz de investir contra ela para saciar sua sede selvagem. Lionel a levou então para viver com ele em seu castelo, tencionando salvá-la e criá-la como a uma filha. Sempre havia sido um homem dotado de algum sentimento terno em relação à raça que, eras antes, havia sido a sua, embora não se lembrasse de muita coisa a respeito e tivesse sede demais por sangue para conviver constantemente com as pessoas. A garotinha aparentemente tinha vindo para mudar isso de modo radical. Ficou totalmente curada em questão de dias.
A pequena Laura recebeu então a melhor educação possível, crescendo cercada de monges, governantas e serviçais, e foi velada à distância pelo olhar dedicado do tutor. No entanto, sua natureza humilde nunca se perdeu, apesar dos luxos e mordomias, tornando-se esse um de seus maiores atributos. Porém, o principal dentre todos os atrativos era, inegavelmente, a sua beleza sem par, que com o passar dos anos só se multiplicou. Os cabelos negros como a noite e os olhos de um intenso azul geravam hipnose, e sua pele era como pêssego. Ele então a escondeu dos olhos do mundo, com medo e sem entender o por que.
Aos completar de 20 auroras, seu coração já não resistiu ao chamado de querê-la como mais do que sua protegida. Não existia um abismo de idade notável entre os dois – em aparência pelo menos... Ele preservaria eternamente nos traços uma juventude que pairava entre os 35 e 40 anos, idade essa que era compatível ao posto de marido para uma jovem dama como ela naquele tempo. Nesse período de transição para a idade adulta, ela passou a conviver mais freqüentemente com a presença dele, que pareceu perder gradualmente o receio de se envolver com uma humana do jeito que estava se deixando envolver. Ela era linda demais para se evitar, doce demais para resistir... E não demorou muito a evidenciar sentimentos em relação ao guardião. Os sentimentos foram surgindo naturalmente, mesmo com o empecilho de suas raças.
Quando ela fez 22 anos, eles dois já se amavam mais do que jamais esperaram. Um amor exatamente igual ao dos meus pais, cheio de entraves e implicações, mas com a exata intensidade de emoções. Laura soube depois de um tempo que ele era um vampiro... ele lhe contou num momento em que a verdade já não poderia ser mais escondida. Mas ela estava tão apaixonada que nem mesmo aquilo pode desviar seu sentimento nem um milímetro sequer. A devoção que nasceu no coração sem vida de Lionel por essa aceitação ultrapassaria séculos, mas ele sabia que a existência dela não. Sofria com isso, mas não seria capaz de torná-la igual a ele. Ela era perfeita por ser como era... se mudasse, perderia muito do seu encanto. Teria que se contentar em tê-la pelo tempo que ela durasse. Depois, viveria o restante de sua eternidade só para guardar suas lembranças com ele. Se casaram então.
No terceiro dia das núpcias, a surpresa: Ela estava esperando um filho. Um herdeiro, um mistério que ele desconhecia... Mas começou a ansiar, pois pensou que lhes traria felicidade.
Deparou-se com o engano, ao ver que a gestação transcorria num ritmo anormal, o que a estava, dia após dia, destruindo. O ser que estava sendo gerado em seu interior consumia aos poucos sua alegria, beleza... saúde. Ela definhava, enquanto o filho que ele recebeu inicialmente com todo entusiasmo se tornava um parasita, utilizando-se do amor de sua vida como uma hospedeira descartável. Não soube o que fazer, pediu ajuda de alguns de seus aliados, mas só se deparou com o escárnio deles por ter se deixado chegar aquele ponto considerado ridículo.
Ao final de três dolorosos meses, viu sua amada morrer brutalmente num parto grotesco em que a criança retalhou com os dentes as carnes da própria mãe para nascer. Aquilo o converteu em um louco, seu desespero o fez retirar-se da Alemanha transtornado e fugir para a Indonésia por dois anos, deixando o lar e o herdeiro recém nascido para morrer sozinho.
Durante esse período, porém, recebeu correspondências de que a criança tinha sido acolhida pela sociedade oculta dos vampiros nobres da Alemanha e levada para conviver com um dos vampiros mais influentes de Frankfurt, Kaleb Herzog. O boato era de que o menino crescia extraordinariamente depressa e possua também uma estranha habilidade: Absorver dons dos vampiros “especiais” que se aproximavam dele... uma verdadeira aberração, um perigo eminente, sem dúvida. Irou-se contra aquilo e voltou então ao país com um único objetivo: vingar a morte da esposa, destruindo aquele demônio que por um infortúnio terrível carregava o sangue de sua Laura Engels Von Drachen nas veias... E o seu próprio, que nem mais possuía.
Ao chegar, Kaleb o recebeu em sua propriedade... e de repente, tudo mudou de aspecto... Seu coração já não estava desejoso por sacrificar a criança. Ele nem se lembrava mais dela, só pensava naquele bondoso aliado que o oferecia agora uma fortuna irrecusável pelo direito de cuidar do menino, a quem batizara de Gabriel Herzog.
A generosidade foi aceita imediatamente, e eles comemoraram seus respectivos triunfos. Quando, porém, tudo parecia acertado, eis que diante deles apareceu a criança... uma réplica exata de sua Laura... porém, nascido menino e agora com aparência física de uns 7 para 8 anos.
O reconhecimento entre Lionel e o menino foi mútuo e os dois se preferiram instantaneamente. Lionel não sabia descrever com precisão seus sentimentos a partir daí, tudo se misturou de uma maneira inexplicável ... O fato foi que um impulso violento o fez virar-se contra Kaleb e matá-lo, um ato que nem mesmo pode controlar, nem qualificar como bom ou ruim. Apenas o fez! Todos os fiéis aliados do clã Herzog perderam o vínculo com ele imediatamente após sua morte.
Desimpedido, Lionel levou a criança para viverem juntos em seu castelo, como família. A devoção que tinha por Laura foi transferida ao pequeno Gabriel... agora não mais Herzog. Von Drachen, como ele. Seus pulsos receberam os brasões da família: Um dragão e uma estrela de 7 pontas.
– Ao longo desses pouco mais de 4 séculos, Gabriel no entanto passou de meu filho amado a meu opressor emocional! – Lionel falou então num desabafo – Me tornei escravo de seus caprichos, começando a ficar ciente de que era seu dom que me controlava, mas incapaz de reagir. Meu verdadeiro eu jazia aprisionado dentro de algum lugar escondido do meu corpo, que o obedecia devotadamente.
– Ele aprendeu mais algum “dom” desde então?! – tio Jasper perguntou, ao fim de alguns minutos de silêncio após concluída a história
– Alguns, ainda no período em que esteve na casa dos Herzog, e muitos outros, sabe-se lá onde. Ele é como uma espoja... só que a pessoa com a habilidade original não deixa de possuí-la. Ela só ficava impossibilitada de usá-la com ele, ou contra ele.
Nos entreolhamos satisfeitos nessa hora. Finalmente, a explicação para o fato de meu pai não conseguir ler seus pensamentos, e nem Aly ser capaz de ter visões relacionadas a ele.
– Ele aprendeu algumas das nossas habilidades também! – Aly o pôs a par do fato – Só é estranho ele não ter “absorvido” o escudo de Bella... Sim, por que ela continuou sendo capaz de dissipar o efeito causado pelo “encanto” dele... ou seja, agindo contra ele, querendo ou não.
A questão que ela trouxe foi muito pertinente. Por que alguém tão astuto desprezaria um dom como o da minha mãe?!
– Isso é simples! – Lionel disse, um verdadeiro mestre na ciência de conhecer o filho– Gabriel uma vez me confidenciou que não conseguia armazenar mais do que três habilidades ao mesmo tempo. Nunca compreendeu o motivo, nem nunca se preocupou em descobri-lo. Dedicou-se, ao invés disso, a rastrear e selecionar os melhores para si, tendo a vantagem de que o primeiro que aprendeu ainda continuava sendo o mais útil de todos: Controlar os sentimentos das pessoas em relação a si mesmo, o dom que Kaleb Herzog possuiu enquanto vivo. Os outros dois “espaços vagos” sofrem uma constante rotatividade. Ele então é o que se pode chamar de aventureiro incansável, sempre viajando pelo mundo atrás dessa sua compulsão. A nossa filial em Paris está quase em abandono por causa desse displicente... – ele praguejou para dentro
– Então ele nem chegou a conhecer os Volturi, não é?! – mamãe perguntou, com um tom sarcástico – Porque, se tivesse conhecido, não teria mais saído da Itália!
– Claro que eu lhe contei sobre o clã mais poderoso do mundo – ele quase soou ofendido. Dava pra ver que a aliança dos Drachen com o clã italiano era muito forte – Só que, fidelizado a ele pela cegueira, por instinto o instrui a nunca se aproximar de Volterra. Conhecia os Volturi perfeitamente bem para saber que eles o matariam assim que tomassem conhecimento de sua existência. A natureza de híbrido jamais seria aceita por eles, que de certo a considerariam uma ameaça ao nosso estilo de vida. Por conta disso, me vi obrigado me manter afastado da Itália por mais de 400 anos. Só voltei a procurá-los ontem, quando, de súbito, retomei o controle dos meus sentimentos e da minha sanidade.
Ele então se ergueu do sofá e pôs no semblante sua expressão mais macabra até o momento.
– Chega de perder tempo... onde estão ele e aqueles dois parasitas dele, o Kahn e o Setel?! Esses ai também não perdem por esperar... – gruniu.
Aro e as damas sombrias permaneceram sentados, se limitando a observar nossas reações. Pareciam nos estudar... era óbvio que toleravam estar ali cumprindo aquele favor ao aliado apenas por questões de crescimento próprio.
Meu pai se colocou de pé devagar, ficando no mesmo nível que o homem doente de ira a sua frente. Eu vi o que ele estava prestes a fazer, então fechei meus olhos e escondi o rosto nos braços da minha mãe outra vez.
– Não percebe, Lionel?! Seu filho está morto! Por esse motivo você está outra vez no controle das suas emoções.
Nenhum som se seguiu após isso, além do palpitar medroso no lado esquerdo do meu peito... 15 segundos de silêncio depois, fui obrigada a voltar meus olhos para eles dois novamente.
O homem, antes tomado pela sede de vingança, agora ornamentava uma fraca tentativa de um sorriso, acompanhado de um olhar maravilhado. Me recompus no sofá, impactada por aquela imagem inesperada dele.
– Como?! – sua voz se projetou não mais como um trovão... Foi quase um veludo dessa vez, agitando delicadamente os meus tímpanos.
– Nós o matamos, ontem pela manhã! – meu pai revelou. Torci os dedos para que ele soubesse mesmo o que estava fazendo – Os capangas dele, Kahn e Setel, além de todos os seus empregados, fugiram... A hipnose que os prendia aqui se desfez assim que Gabriel morreu, exatamente o que sucedeu a você!
Nem deu tempo de ninguém assimilar aquela descoberta... Foi a vez dos Volturis se levantarem, em conjunto.
– Pode-se saber a razão?! – Jane inquiriu sobre o feito com sua voz sem vida, o que não deixava de ser um tom que provocava arrepios.
Meu pai voltou ao sofá. Agora seria a nossa vez de fazer retrospectivas...
Quando concluímos essa segunda rodada, que abrangeu quase todas as minúcias referentes aos últimos tempos desde a entrada de Gabriel na minha vida, já nos encontrávamos no final da tarde. A estranha sensação de que o tempo se arrastava se chocou contra a percepção do céu já escurecido atrás de nós. Eu estava zonza depois de tudo aquilo... exatamente a mesma impressão que recaia sobre Lionel. Ele se demonstrava aturdido em meio a tantas notícias... Primeiro, a descoberta {ao que pareceu, maravilhosa} de que seu filho odiado estava morto. E agora a ciência dos fatos relativos ao casamento misterioso dele comigo. Tudo aquilo exigia uma compreensão que excederia a capacidade de qualquer um, até mesmo a de um vampiro milenar.
Porém, ao mesmo tempo em que a comoção se evidenciava em Lionel, indícios de desaprovação começavam a tomar a atitude dos Volturis ao lado dele. Jane retirou o capuz que ocultava seus cabelos castanhos e curtos, depois confidenciou alguma coisa no ouvido de Aro que fez meu pai subitamente se retesar todo. Ela, por certo, não havia se esquecido que ele estava ali e que podia ler seus pensamentos. Mas era sabido que ele procurava guardar o que ouvia para si mesmo pelo máximo de tempo possível, então nem se importou. Nós provavelmente descobriríamos dentro em pouco.
Aro recebeu a mensagem da garota com clara antipatia, mas não pareceu de um todo inclinado a discordar dela, porque consentiu ao que disse, apesar do aparente desgosto. Depois disso, se virou pra nós, enquanto estranhamente começou a formar uma careta impaciente com os componentes da face.
– Mas que cheiro irritante é esse, afinal?! – perguntou com voz arredia, franzindo o nariz – Estou sentindo desde que cheguei, mas não consigo reconhecer o motivo dele aqui...
Nos inquietamos. Ele se referia sem saber aos lobos que estavam à espreita lá fora, e talvez a Jake lá em cima. Meu coração se apertou, temendo que não pudéssemos justificar aquilo sem levantar suspeitas...
Eu estava certa em me preocupar, Jane logo em seguida demonstrou reconhecer a origem do cheiro.
– Lobisomens! – exclamou, pela primeira vez empregando alguma emoção na voz – Esse é o mesmo cheiro que sentimos a sete anos atrás, quando fomos à Forks. Tem, pelo menos, três deles aqui... Porquê estão aqui?! – ela inquiriu severa.
Ninguém do meu lado externou qualquer intenção em respondê-la. Aro pareceu apenas surpreso.
– Aqueles transformos que tanto inquietaram Caius... – forçou a memória, olhando para o canto dos olhos
– Sim, esses mesmo! – meu pai esclareceu com pressa – Vieram conosco para nos ajudar no resgate de Renesmee.
Eu podia ver que Jane não parava de avaliar nossa nova postura com desconfiança, e a sensação de que a bomba-relógio ainda era um fato eminente desacertou outra vez minha respiração. Lionel retornou ao nosso universo, erguendo a cabeça de suas considerações ao perceber que o ambiente estava novamente carregado.
– O que é Aro, o que está havendo?!
– Nada amigo, – o tratamento já não me pareceu muito genuíno, mas cri que aquilo era apenas impressão minha – não se aflija.
– Quem está lá em cima?! – Jane insistiu, focada e em tom de ameaça. Droga de vampira nojenta, não ia largar o osso.
– Rosalie e Emmett... além de um dos transformos, que se feriu no confronto com Gabriel! – meu pai falou a palavra “transformo”, se policiando para não externar nenhuma evidência afetiva entre os lobos e nossa família, além da parceria que já era conhecida.
Jane sibilou, depois o encarou pungentemente.
– Ele mente! – ela deliberou ao seu líder, sem desviar os olhos do meu pai – Está escondendo algo. Todos eles estão!
Eu gelei. Voltei meus olhos imediatamente para examinar a reação de Aro. Ele permaneceu imóvel, sua expressão não dizia nada. Apenas olhava pra nós, como se esperasse que a garota ainda tivesse algo mais a acrescentar.
– Não estamos escondendo nada, sua paranóica! – Aly explodiu a ofensa, parecendo muito satisfeita por finalmente poder proferir algo assim à garota
– Mentira! – novamente, a pequena Volturi afirmou, com voracidade dessa vez – Não pensem que podem nos enganar e ofender, só porque estão sob seu precioso escudo! Aro – ela se virou para ele, com um olhar exigente.
O vampiro pareceu voltar a si, depois de um sobrevôo pela própria mente. Foi bizarro começar a sentir falta de suas reações exageradamente espontâneas... Aquela atitude inanimada dele estava convertendo minha inquietude em gotas de suor na testa e pés batendo nervosamente no chão.
O peso do pânico esmagou por completo meu peito quando ele suspirou, balançando a cabeça para baixo em lamento, e meu pai grunhiu, se agachando na defensiva e projetando os braços na nossa frente. Todo o meu corpo familiar reproduziu a mesma atitude, menos eu, que nem soube direito o que fazer dentro daquela barreira protetora que eles formaram.
– Calma, quanta hostilidade... – Aro fez uma pose clara de choque cínico – Eu quero apenas conversar!
– Seu estilo de conversação não é interessante pra nós! – meu pai disse, entre dentes – Ele sempre implica em conseqüências “desfavoráveis”!
– As conseqüências vão depender unicamente da decisão que vocês tomarem! – a novidade do tom áspero na voz de Aro foi aterrorizante {devo ter batido o record de manifestações de medo em um mesmo dia} – Se escolherem nos dizer o que escondem, talvez cheguemos a um consenso. Se não... Bem...
Se houvesse necessidade de falar mais alguma coisa, a clareza em suas palavras com certeza já seria suficiente para fazer com que pelo menos eu expirasse ali mesmo! Não soube direito quem era o alvo final de sua ameaça, mas diante do fato de que nenhum de nós revelaria o que estávamos ocultando deles, era certo que seu juízo iria pesar sobre alguém naquela noite.
Houve então um ruído no andar de cima, seguido de um forte estrondo. Todos desviamos os olhares instintivamente para o teto, enquanto o barulho começou a se deslocar rapidamente, provocando rangidos e arrastando nossas atenções com ele. O mapa mental da casa em minha cabeça me dizia que aquilo, seja lá o que fosse, estava atravessando os corredores e vindo para cá. Parecia ser grande, o impacto de seus movimentos era alto demais para ser de Emmett, ou Rosie, ou dos dois juntos.
Oh não... Era Jake!
Gemi, a certeza de que era ele quem se aproximava de nós, miraculosamente recuperado e já transfigurado em lobo, me levou a concluir aquilo que não pude ter certeza antes: Ele é quem seria o alvo da noite!
Meu peito arfou, mas o grito de desespero que eu tencionei projetar na garganta foi abafado pela mão do meu pai, que tapou minha boca enquanto ele desmanchava a posição de defesa. Seu olhar estava fixo no vão da escadaria, pasmo como se atravessasse as paredes. Os Volturi, que estavam de costas para o local, se viraram para lá, formando um paredão que bloqueou justamente o meu campo de visão.
Escutei então o barulho finalmente atingir o nosso andar. Meu coração deu um pinote... mas ai comecei a perceber que o som que vinha adiante dos encapuzados era... plural demais para ser do meu Jake. Era um som de múltiplas passadas!
A movimentação pareceu brecar e, nessa hora, cada um dos presentes verbalizou uma exclamação que prendeu seus olhares no ponto que eu não alcançava. Corri então alucinada para ultrapassar os Volturi e encarar o que provocava tanto espanto. Ninguém conseguiu me impedir.
Claro como cristal, vi então duas figuras estupendas na minha frente, paradas e... rugindo para nós.
Uma pantera.
Um tigre branco.
Lado a lado, funcionando juntos numa ameaça tremendamente eficaz.
Portes relativamente pequenos para serem adultos...
Olhos vermelhos como ferro em brasa!
A garota, que pela atitude {sempre no flanco de Aro, quase tocando-o} só podia ser Renata, retirou o capuz atrás de mim, revelando a imensa cabeleira negra e brilhosa. O rosto era magro e os olhos de sangue encaravam agora assombrados as próprias mãos, que ela sacudia irremediavelmente diante de si.
– O que está acontecendo?! – ela parecia em pânico. Se voltou então para minha família – Quem está fazendo isto?!
– Renata, o que está fazendo? Proteja Aro, sua tola! – a outra, Chelsea, retirou também o capuz. O cabelo era loiro e sem contraste nenhum com a pele, o que lhe dava um aspecto monocromático estranho.
– Eu não consigo... Algo está me bloqueando!
Aro abruptamente estalou um tapa violento no rosto dela enquanto os dois animais começaram a rugir mais ainda, fazendo-a atingir e rachar uma das paredes próximas. Aquilo foi de uma brutalidade que nunca visualizei partindo dele, mesmo sabendo de sua asquerosa natureza. O gesto desestabilizou o grupo e ele então desfez sua pose petulante pela primeira vez e se pôs semi-agachado, rugindo tão fracamente que mais pareceu um guincho de camundongo.
A grande janela que dava vista para o jardim foi estilhaçada, quando Seth e Leah saltaram para dentro da mansão, se juntando a nós. Os rugidos dos quatro agora se direcionavam para os Volturi, encurralados no centro do embate. Tio Emmett e Rosie finalmente apareceram atrás das duas feras inexplicáveis, e reagiram automaticamente à presença dos visitantes, ficando em posição de ataque também. Lionel olhava horrorizado o desenrolar daquela cena, sua atitude pendendo para a intervenção, mas seu receio prendendo-o onde estava. Renata se restabeleceu à sua posição, reprimindo seu ressentimento e complementando a formação defensiva de seu clã.
Sem retomar a posição ereta, Aro vociferou apreensivo, não desviando os olhos dos opressores:
– Seria pedir demais que vocês controlassem essas bestas selvagens por um momento apenas? Preciso falar-lhes... dessa vez, sem segundas intenções, lhes asseguro.
– Lamento informar Aro, mas essas “bestas selvagens”, exatamente como a 7 anos atrás, não estão sob nosso comando! – meu pai cuspiu as palavras – Não temos o poder de pará-los, então eu sugiro que vocês procurem voltar atrás em seus planos... Porque, ao que parece, a revolta deles é contra isso.
Meus familiares não esboçavam qualquer sombra de medo. Pareciam certos de que as palavras do meu pai reproduziam a verdade com perfeição, então relaxaram. Eu, contudo, permanecia tesa e prestes a me interpor entre os animais e os Volturi... esse estranho sentimento começou a se classificar sozinho em meu coração como... maternal!
Oh meu Deus... não poderia ser possível... ainda não, e muito menos daquele jeito...
...ou poderia?!
Meu pai veio até mim e me buscou de volta antes que eu sequer finalizasse o pensamento. Não era eu quem estava em cheque, então ele não via necessidade que eu permanecesse ali tão próxima de nossos algozes. Dava pra ver que minha atitude infantil o estava impacientando.
– E está mesmo! – ele respondeu aos meus pensamentos, sussurrando – Agora fique tranqüila, antes que eu tranque você lá em cima!
Me lembrei na mesma hora de Jake e do fato que ele estava naquele exato momento desprotegido no quarto do segundo andar. Guardei a exposição das minhas emoções para mim mesma, enquanto Aro lentamente subtraiu a tensão de sua postura e pôs-se de pé outra vez. As garotas continuaram inclinadas, praticamente formando um círculo ao redor dele, agora já sem o auxílio do escudo físico que o tornava tão confiante e cheio de si.
– Ora, ora, ora... Variações de transformos, que providencial... Creio que chegamos a um limite nunca antes ultrapassado, meus caros Cullens! –Ele contraiu as feições, não estava habituado a se resignar à humildade – Ao meu ver, não há outro caminho a não ser recuar e... reconhecer que não tenho diante de mim um grupo com nível que ainda me caiba julgar!
Meu pai soltou um riso irônico, enquanto a atitude do vampiro pareceu entrar em conflito direto agora com suas companheiras.
– Aro, o que está dizendo?! – Jane vociferou, ficando de pé nervosamente.
– A verdade, Jane querida! – ele se limitou a dar uns tapinhas no ombro dela, com indisposição. O gesto a fez se esquivar inicialmente, por reflexo pela lembrança da agressão contra a colega – O clã Cullen aqui presente não é um clã ordinário! De fato, todas as evidências e manifestações me levam a concluir que eles estão... em pé de igualdade conosco!
O olhar de Jane para o líder foi de uma incredulidade tão intensa, que eu tive quase certeza de que ela intentaria silenciá-lo com um golpe, mesmo que pudesse simplesmente fazer isso com a mente. Mas não fez isso, e o vampiro apenas permaneceu vacilante entre se dirigir a nós e não virar as costas para os que ainda o ameaçavam.
– Não é a primeira vez que me vejo forçado a ceder a razão para vocês, uma marca que nenhum outro clã jamais alcançou. Nem tão pouco sei se ainda consigo enxergá-los como “clã”... esses laços que os fortalecem e multiplicam a quantidade de dons que os orbitam são provenientes unicamente de uma relação de “família”.
– Então... nós devemos concluir que você desiste, Aro?! – meu pai questionou, ironizando
– Não! – ele exclamou contrariado – Não há nenhuma causa que eu esteja sustentando, para que possa desistir. Estou apenas... aproveitando o ensejo para salientar o quanto a minha estima por todos vocês é memorável. E que isso fique bem claro, os Volturi nunca voltam atrás. Pelo contrário, esta manifestação unicamente atende pelo nome de equidade.
– Ah sim, por certo! – meu pai concordou, outra vez com ironia, que foi ignorada pela simpatia forçada do vampiro desprezível.
Aro finalmente desceu o olhar sobre a face de Jane, com uma delicadeza estranha que de algum modo foi suficiente para fazê-la conter os protestos que a inquietavam tanto. Ela baixou a fronte, depois se voltou para nós com uma expressão de quem dominava um vulcão dentro de si.
– Creio que não haja muito o que se fazer afinal... – ela disse, de má vontade. Porém uma súbita alteração em seu humor foi perceptível e ela então sorriu com o canto dos lábios de um jeito sombrio – Vocês têm seus segredos?! Tudo bem, nós também temos os nossos...
Meu pai abandonou imediatamente a atitude irônica e soltou um silvo baixo, contraindo a mandíbula e o cenho. Eu soube que para mim bastava a ignorância a respeito do que ela queria dizer com aquilo. Seria feliz sem o conhecimento do que quer que fosse...
– Sim – a garota voltou a deliberar – penso mesmo que Aro tenha razão em considerá-los de fato como um clã equivalente ao nosso. A idéia parece ser útil... Podemos passar a guarda das Américas para vocês!
– Isso mesmo... Que astúcia, Jane querida! – ele quase bateu palmas para ela – Já não teríamos então que nos preocupar em, volta e meia, ter que atravessar o continente só para resolver questões de justiça. Vocês, como potência dominante, garantiriam a funcionabilidade da ordem vampírica por lá. Brilhante, uma idéia simplesmente brilhante!!
– Com todo respeito a suas boas intenções, Aro – meu avô interferiu – creio que minha família e eu de momento apenas desejamos garantir a funcionabilidade da nossa família.
– Não que a idéia de cooperar com esse propósito tão nobre não seja atraente, é lógico... – meu pai completou, com deboche – Mas nossa satisfação nesse sentido já é completa apenas por conseguirmos monitorar nossa amada Forks! Creio que “As Américas” estão bem servidas de guardiões de nossa confiança... não há com o que se preocupar nesse sentido!
– Está certo, quem sou eu para duvidar do seu bom julgamento?! Estejam livres, vocês têm nossa completa permissão para agir como bem entenderem! – Aro parecia apenas querer eliminar logo os aspectos restantes naquela discussão desfavorável a ele e seu clã – Céus, é um alívio que as coisas tenham esse desfecho tão inesperadamente agradável, não é verdade minhas caras companheiras?
As garotas concordaram mecanicamente. Como se tivessem outra escolha...
– Maravilhoso! Bem meu estimado Lionel – ele se voltou para o homem, que o encarava inerte – creio que não será possível prolongar ainda mais essa reunião. A questão principal aqui já foi solucionada, todos agora estão felizes. Penso que já podemos partir, não?!
Lionel se limitou apenas a consentir com a cabeça diante daquela conclusão taxativa.
– Você... poderia nos indicar uma outra saída?! – Aro deu uma risadinha nervosa – A de cá ainda está um tanto quanto bloqueada por essas peculiares criaturas?
“Peculiares” na linguagem dele ainda queria dizer “bestas selvagens”, só que agora maquiada pela falsa satisfação. Aliás, a satisfação deles era verdadeira... só não era por conta do desenrolar de nosso embate, mas, visivelmente, pela oportunidade de irem embora ilesos.
A pantera e o tigre baixaram a guarda e deitaram no chão, tomando toda a passagem realmente. A atitude de dominação tranqüila foi reproduzida também pelos dois lobos próximos aos meus familiares.
– Não conheço a casa Aro, nem pretendo mantê-la... – Lionel informou, o timbre forte de sua voz enfraquecido pela exaustão mental – Abram passagem por onde preferirem, eu não me importo!
– Como queira, amigo! – Aro novamente demonstrou a falta de franqueza no tratamento.
Então, sem maiores considerações, deu um golpe no centro da rachadura deixada por Renata na parede a seu lado, que ruiu em questão de segundos, providenciando a saída que eles desejavam.
– Passem, minhas queridas! – ele sinalizou para as companheiras, que obedeceram sem devotar sequer um último olhar para nós – Então... Adeus Lionel, e adeus a vocês também, caros Cullens. Sinto-me realizado pela equivalência de nossos clãs e espero que não demoremos a nos encontrar novamente, em circunstâncias mais amenas, claro. Sempre digo isso, eu sei – o vampiro discutiu consigo mesmo – mas é verdade, acreditem! Acima de tudo, o que vale é a paz, e com ela, eu me despeço. Adeus, mais uma vez!
Eles enfim se foram, seus cheiros se distanciaram pouco a pouco... Permanecemos imóveis, até que a certeza da partida foi anunciada em alto e bom som pela praga do tio Emmett:
– Isso mesmo, fujam, seu COVARDES!
– HIPÓCRITAS! – meu pai complementou, em tom vitorioso
– DESPREZÍVEIS! – Aly foi a próxima, com bom humor. Seu rostinho formulou um sorriso contente
– BUNDÕES! – minha mãe finalizou os gritos de triunfo, por que as gargalhadas depois foram inevitáveis com aquele adjetivo dito tão espontaneamente.
Aly teve um vislumbre repentino pouco depois, então pôs-se a rir mais intensamente, meu pai a acompanhando em seguida.
– O que foi? O que você viu meu amor? – tio Jasper perguntou, curioso em rir também, assim como os demais
– É que vai haver um rebuliço dos grandes em Volterra quando aqueles quatro chegarem lá e contarem a novidade para os comparsas... – Aly respondeu, entre os risos, o que não impediu que minha mãe se sobressaltasse com a afirmação
– E não há perigo de estourar um novo conflito por causa disso, Alice?!
Meu pai abraçou-a com ternura, acariciando seus braços tensos.
– Não se preocupe, meu bem... O prenúncio é o de que bons tempos virão. Tempos em que os Volturi farão parte apenas das nossas lembranças mais cômicas!
Eles cederam então à completa descontração novamente.
Eu, todavia, não participei. Minha atenção permanecia fixa nos dois jovens animais que estavam estirados relaxadamente no chão, com olhos não mais vermelhos... cor de púrpura.
– Lilly... Jared... – eu suspirei seus nomes, nenhuma dúvida presente nas palavras.
Minha voz interrompeu a festa que minha família fazia e eles pararam para observar enquanto eu me aproximava lentamente do hall. Percebi que um dos lobos lá atrás se ergueu e foi para fora da casa. O outro permaneceu onde estava, atento ao que acontecia.
Embora já soubesse com meu coração que aqueles imponentes animais eram ninguém menos que meus filhos transfigurados, precisei do encorajamento do meu pai para prosseguir até eles:
– Não tenha medo Nessie, – ele sussurrou para mim, já posto do meu lado e com uma mão tranqüila pousada em minhas costas – eles não te farão mal nenhum filha, sabem perfeitamente quem nós somos... quem você é!
Na mesma hora, os dois felinos voltaram as barrigas para cima e dobraram as patinhas numa atitude brincalhona... Exatamente como quando eram bebês e brincavam com as próprias mãozinhas. Pinguei duas lágrimas no chão antes de correr e me atirar para eles, me agarrando em seus pelos e deixando que suas patas quentes me envolvessem de volta, por inteiro. A suficiência do sentimento entre nós fazia com que suas aparências ameaçadoras fossem apenas um detalhe insignificante... Eles foram dóceis comigo, tornando a cena igual ao paraíso, onde leões, cordeiros e homens habitavam próximos um do outro, sem atritos.
Seth era o lobo que havia ido lá pra fora. Ele voltou correndo até nós, ofegante... o que apenas era um sinal de nervosismo para alguém como ele.
– Eu escutei os pensamentos dela, eu escutei os pensamentos dela!! – exclamou, explodindo de emoção, depois atravessou a sala e veio esbaforido até nós três.
O tigre branco ao meu lado se levantou de imediato e foi ao encontro do garoto, oferecendo o corpo para um afago gentil que ele deu sem o menor receio. Ninguém teve dúvidas... aquela, indisfarçavelmente, era Lilly! A pantera que permaneceu aninhada comigo era o meu Jared.
– Sério mesmo, Seth?! – vovô inquiriu – Como quando vocês lobos estão juntos em matilha?!
– Exatamente! – Seth respondeu, enquanto acariciava o pescoço de sua Lilly
– E o que você escutou?!
– Escutei ela pensar “mamãe”... depois creio que foi Jared quem pensou “vamos ajudar a mamãe!”
– Nossa! – Aly e minha mãe exclamaram juntas
– Incrível!! Tem certeza de que escutou ele pensar isso tudo, guri?! – Rosie perguntou com aquele seu jeito habitualmente austero, no entanto sem maldade
– É verdade sim, Rosalie – meu pai respondeu pelo garoto – Apesar de Lilly ser aparentemente a mais comunicativa, Jared a supera. Ele só prefere empregar sua eloqüência mentalmente, ao invés de exteriorizá-la. Sua personalidade é, realmente, igualzinha à da mãe! – ele completou, lançando uma piscadela para mim.
As muitas emoções quase nos fizeram esquecer que não estávamos sozinhos ali. Distante um pouco, Lionel nos observava em um misto de admiração, timidez e confronto de idéias. Ele não era estúpido... Era evidente que a gigantesca admiração que nutria pelos Volturi havia caído por terra completamente naquela noite, e isso causou um “crack” em seu universo. Vovô se aproximou dele, recebendo-o amistosamente em nosso seio familiar.
Dali onde estava mesmo, vi então ele e meu pai confiarem ao homem o segredo que esconderam dos vampiros italianos com perfeita eficácia. Contaram-lhe que eu, uma híbrida assim como Gabriel, estava amorosamente vinculada a um transformo... uma ligação proibida que resultou no nascimento de duas crianças... aquelas duas lindas criaturas próximas a mim e a Seth agora... que selavam já não a união de duas, mas de três raças consideradas inimigas naturais. Um elo inédito, e de resultados incríveis.
Confiaram-lhe também o segredo sobre a minha substância miraculosa e sua capacidade de neutralizar veneno vampiro... Senti que deveria entrar em pânico outra vez por eles estarem abrindo o jogo com ele... Mas tio Jasper, meu pai e Aly não agiriam desse modo se não considerassem a atitude necessária, então me controlei.
Foram mais fundo inda e revelaram nosso estilo vegetariano de vida e a semelhança do envolvimento de Lionel e Laura com a realidade que uniu meus pais. Percebi que os detalhes sobre a gravidez e a transformação de minha mãe em vampira o sensibilizaram muito, remetendo-o às lembranças da humana que ele tanto amou, mas que não teve a mesma sorte. Ele mostrou-se satisfeito, no entanto, em ver que outros na mesma situação tiveram um final diferente. Era notável que ele nos seria eternamente grato pelo que havíamos feito a respeito do filho dele, por mais extremo que tivesse sido para nós.
– Sinto-me envergonhado pelos transtornos que a cobiça de Gabriel lhes causaram... – Lionel disse, num lamento – Por certo, ele achou que esse Jacob estava 400 anos atrasado... Em sua arrogância, porém, não se deu conta de que era ele quem estava com um saldo negativo de sete anos em relação a sua filha, Edward! O amor é mesmo um dilema atemporal...
– Verdade! – meu pai concordou – Mas não se sinta envergonhado, por favor. Não tome a responsabilidade dos atos do seu filho para si, nem sinta-se subjugado a um débito conosco. Acabou de se libertar de uma escravidão, não queremos que se lance a outra.
– Mas é graças a vocês que estou livre da influência daquele... – ele sibilou – Minha divida com sua família é muito grande...
– Será recompensa suficiente para nós ter sua amizade eterna! – meu avô confortou o homem – Não se torture mais, Lionel!
– Mais do que isso, Carlisle... Você e sua nobre família terão a minha lealdade! Essa, que por certo não mais devoto aos Volturi, devotarei a vocês. É óbvio agora pra mim que eles não se dispuseram a vir aqui para me ajudar a matar Gabriel... mas sim, para torná-lo um deles! Por isso se revoltaram quando souberam que alguém já tinha feito o serviço que me era interessante... Estou errado, jovem Edward?!
– Não Lionel, você está coberto de razão, era isso mesmo que eles haviam desde que receberam seu chamado! Seria um modo de se vingar de você, por ter ocultado a existência do seu filho durante tantos séculos. Por isso, a formação incomum de sua comitiva... Eles só queriam coletar, e não destruir! – meu pai não pareceu surpreso, claro... Mas todos nós sim, e não só por ver a astúcia do homem... mas principalmente por que não tínhamos pensado por esse ângulo.
O contentamento com aquele desfecho então foi mútuo, gerando paz total na casa. No final das contas, foi um bom plano ficarmos! Vencemos outro embate contra aqueles Volturis recalcados... fomos categoricamente nomeados como Clã equivalente ao deles {não que isso tivesse algum peso de glória para nós... mas não deixava de ser um acontecimento importante!}... e, de quebra, ainda fizemos um imenso favor a outra vítima do enredo, o que resultou no ganho de um forte aliado, quando esperávamos que ele fosse se tornar nosso pior inimigo.
Além disso, meus filhos revelaram uma nova variação da natureza transmutativa... e algo mais, que ainda não poderia ser classificado por nós, mas que por certo foi o fator-chave na quebra do escudo de Renata e, logo, na debandada dos Volturi. Mas esse segundo aspecto curioso referente a eles não demoraria a ser aclarado... vovô já tecia comentários e meu pai falava em convidar Eleazar para se hospedar em Forks por uns dias. Por agora, nos limitávamos a ficar alegres por meus bebês serem fundamentalmente a razão de não estarmos todos mortos agora.
Algumas horas mais tarde, os dois reassumiram às formas de bebês, risonhos e conscientes de nossa vitória. Seus corpos quentes como o do pai demorariam ainda um pouco mais para retornarem à temperatura normal, mas fora isso, tudo voltou a ser como antes.
Lionel se solidarizou conosco e anunciou que seu jatinho particular estava à disposição para nos levar de volta para Washington quando desejássemos, e que se encarregaria de providenciar ele mesmo o transporte de nossos veículos para casa, com a maior brevidade.
– Ainda vou permanecer aqui por alguns dias mais! – ele nos informou – Preciso resolver a situação “Kahn e Setel”, antes de voltar para a Alemanha... Sei agora que eles não tiveram culpa em suas associações com Gabriel, mas os dois são vampiros selvagens... Não posso partir sem antes encontrar o paradeiro deles, do contrário, os dois causariam um pandemônio aqui pelas redondezas de Karlstejn. Regressarei para casa quando o jatinho retornar dos Estados Unidos.
Diante dessas coisas, decidimos partir o quanto antes, imensamente contentes por sua consideração. Ele acionou sua limusine para nos levar ao aeroporto e nós subimos a fim de preparar Jacob e os bebês para a partida.
A febre intermitente e a dificuldade respiratória do meu Jake já não o afetavam mais. Agora, apenas o intenso cansaço físico o debilitava. Enquanto Rosie e Aly aprontavam Lilly e Jared com roupinhas improvisadas {as deles haviam se despedaçado completamente}, eu me sentei ao lado dele na cama, acariciando de leve o seu rosto para que despertasse. Ele foi lentamente se devolvendo à consciência, contorcendo as feições de um jeito estranho ao me ver. Depois, trancou devagar as mãos nos meus braços e respirou como se estivesse profundamente aliviado.
– Oi, meu amor – cumprimentei-o do jeito que pude
– Nessie, eu... – ele parecia ter acabado de vencer uma angustia terrível
– Qual é o problema, está sentindo alguma coisa?
– Não, não é nada comigo... – ele parecia relutante em continuar – É que eu tive um pesadelo com você. Sonhei que Aro Volturi estava aqui, com o bando dele, e que ele... ele te...
Ele estava angustiado, tão firmemente abalado com aquele sonho que parecia mais ter adivinhado os fatos ocorridos naquele dia. “Coisas do imprinting...” concluí.
– Shh – tratei de fazê-lo parar imediatamente, enxugando com a mão um fio de suor que descia de sua testa. Ele não precisava saber de nada agora – Está tudo bem Jake, eu estou aqui, o pesadelo acabou.
Ele fechou os olhos e desfrutou da realidade, alargando um sorriso cansado nos lábios.
Aquele seu segundo despertar me fez então lembrar de algo que eu deveria ter feito ainda no primeiro... Uma terna instrução que havia recebido do meu pai, logo que todos me puseram a par dos acontecimentos.
– Jake – eu o chamei, fazendo com ele abrisse de volta os olhos – Eu queria te dizer uma coisa... que creio que você precisa muito ouvir da minha boca, finalmente. Queria te dizer como eu me sinto em relação à história do imprinting!
Senti suas mãos estremecerem de leve meus braços! Ele então me encarou estático, oferecendo tanta atenção com aquele olhar avassalador, que quase me desconcentrou do meu propósito. Toquei a ponta dos meus dedos em seu rosto e me forcei a me concentrei no passo seguinte:
“Quero que você saiba que imprinting é só uma palavra, não significa nada para mim... E que eu amo e quero amar pra sempre esse Jacob que você é hoje, independente de qualquer dúvida que você possa ter sobre si mesmo! E ainda que você não me amasse com tamanha verdade de coração como eu sei que ama, eu seria completamente apaixonada por você, e lutaria pela sua felicidade acima de tudo. Mas você é meu, eu sou sua, e isso nunca vai mudar... seu lobo bobo!”
Retirei os dedos de cima dele, mas suas mãos saíram dos meus braços e os fizeram voltar para onde estavam.
– Diga isso que você disse por último outra vez! – ele pediu com ânsia
“O quê, ‘lobo bobo’?!”
– Não... – ele riu – sobre eu ser seu! Foi isso mesmo que eu escutei? Você disse tão depressa que estou em dúvida se ouvi direito...
“Você é meu e eu sou sua, Jacob Black! Você é meu e eu sou sua, Jacob Black!”
Repeti, repeti, repeti... repetiria mil vezes, mas ele me calou com um puxão, seguido do abraço mais apertado que já havia recebido na vida.
– Agora sim eu acredito – ele sussurrou no meu ouvido, parecendo conter outras bilhões de frases de alegria no peito – Obrigada, minha Nessie!
Apertei-o também contra mim, não preocupada em entender o que ele queria dizer com aquilo... somente em transmitir pele a pele a sinceridade nas minhas palavras.
– Ah, é assim não é, seu ingrato?! Só agora você acredita?! – meu pai entrou no quarto e interrompeu nosso momento. Rosie e Aly já haviam concluído a arrumação dos bebês e também nos encaravam com olhares malévolos.
Jake me soltou e cobriu o rosto para esconder o acanhamento, o que fez os três rirem. Papai atravessou o quarto e em meio segundo já estava do nosso lado. Ele entregou um tapa no cocuruto de Jake.
– Ai Edward, ficou maluco?
– Pai!! – eu exclamei chocada. Ele balançou a cabeça, depois estendeu um apoio para o amigo
– Anda, seu dengoso, o carro está nos esperando lá embaixo – anunciou, sem pedir perdão.
Descemos todos, Jake carregado, assim como os filhos, e nos encontramos com os demais para a partida. Lionel era de uma alegria contida, mais perceptível. Estava feliz com a perspectiva da nova aliança que fizera conosco.
– Você vai ficar bem, Lionel? Quer dizer, em relação aos Volturis? – meu avô perguntou
– Não tema Carlisle, eu ainda sou um vampiro com muita influência na Alemanha, como você já deve ter conhecimento. Minhas outras boas alianças são muito seguras e não seria vantajoso aos Volturis ganharem novos inimigos, vindo até mim para fazer algum mal. Eu ficarei bem, acredite! – Lionel pousou uma mão no ombro de seu mais novo amigo – Vão em paz!
– E você fique com ela! Espero recebê-lo em nossa casa por algumas temporadas – vovô retribuiu o cumprimento
– Esteja certo que irei, e vocês também sintam-se bem vindos a visitarem meu castelo.
Finalizados todos os cumprimentos, deixamos enfim a mansão.
Não prestei atenção na paisagem fora da limusine. Jared e Lilly já estavam adormecidos nos braços das tias, sonhando seus sonhos provavelmente maravilhosos sobre aquele dia. Apenas me ocupei em ninar a cabeça do meu Jacob o caminho todo, o burburinho da conversação intensa da minha família ficando aos fundos da minha mente, enquanto eu passeava os dedos entre seus cabelos negros no meu colo, e prendia seu olhar no meu.
Quando o veículo parou, já estávamos na pista de decolagem. O jatinho {o uso do diminutivo nesse caso era só por costume da palavra} estava adiante, pronto e a nossa espera. Subimos a bordo e lá dentro o interior luxuoso era muito melhor do que esperávamos encontrar. Dava até pra esquecer que aquilo era um avião... parecia uma outra mansão, só que flutuante. Jake foi acomodado num assento com o ângulo recostado quase horizontalmente, e eu me sentei entre ele e meu pai. Os outros ocuparam com sobra o restante da cabine.
– Não preferem viajar no bagageiro? – papai fez essa estranha pergunta a Aly e tio Jasper
– Dessa vez não, engraçadinho! – ela respondeu, com uma carinha cômica e meu tio torceu a boca para o irmão. Quis saber do que eles estava falando...
– Não tente entender, Nessie! – papai me disse, fazendo cócegas na minha cintura.
A saída do solo foi suave, imperceptível. Seria um vôo rápido e sem escalas, segundo a voz digital do piloto.
Jake estava batendo cabeça, insistindo em se manter acordado como nós.
– Durma, meu amor. Você tem que estar novinho em folha quando chegarmos... Tenho algumas novidades pra te contar!
– Novidades é? – ele perguntou, os olhos já se revirando ao tentar me focalizar
– Sim, sobre nossos filhos. Você vai adorar! Agora durma logo.
– Não vá babar no avião dos outros hein, Jacob! Olha o prejuízo... – tio Emmett gritou lá de trás. Meu Jake bufou um riso, depois foi rendido pelo sono mais forte que ele.
Eu também estava exausta, deslizei para o ombro gelado do meu outro lado.
– Me conta uma história, papai?! – brinquei, relembrando os velhos tempos entre um bocejo gigante. O pedido provocou nele uma risada, o que fez seu ombro vibrar embaixo da minha cabeça. Ele estalou um beijo na minha testa.
– Vou te contar uma novidade então, ao invés de uma história! – sua voz me embalou sem esforço – A casa que nós compramos pra vocês dois como presente de casamento já deve estar pronta para recebê-los a essas horas!
– Sério pai?! – a surpresa quase pôs abaixo o meu cansaço... Mas ele era grande demais pra se perder assim
– Sério! Na verdade, só faltava a mobília... Ela em si já estava perfeita desde o começo! Os garotos Quileutes aceitaram nos dar uma forcinha com a organização, enquanto estávamos fora.
– Me fale como ela é.
– Oh, é muito bonita – ele fez uma voz grave, aquela que sempre fazia na hora das histórias quando eu era menor – Fica em La Push, mas isso você já sabe... Ela é toda revestida em madeira da melhor qualidade. A porta da frente é de madeira entalhada, os detalhes são elegantes e bem elaborados. O interior é grande e iluminado por diversos janelões, as crianças vão ter muito espaço pra brincar! Ah, e seu quintal vai ser um imenso lago, cercado de montanhas e árvores. Construímos um deck, você vai ficar encantada, tenho certeza...
Escutando ele contar, fui fechando os olhos, pensando em todas as alegrias que a nova morada nos proporcionaria. Já era linda só em minha imaginação... Bons tempos viriam, eu praticamente podia tocá-los. Reencontraríamos nossos amigos da reserva, meu avô... Seria uma prova e tanto contar a ele sobre os bebês, não nos víamos a mais de três meses. Mas nem se fossem nove meses completos, a tarefa seria menos “desafiadora”! Me corresponderia finalmente com minha querida Zefrina, contando-lhe tudo e mais um pouco sobre os recentes acontecimentos.
Enfim, tudo voltaria ao normal, que era exatamente como eu preferia.
Adormeci não sei nem em que ponto da “história”...
Estava a salvo, estava em paz.
Estávamos indo para o nosso lar.
Fanfic escrita por Raffaella Costa.
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