Volturi - Parte 2
- Por que não se juntam a nós também meu caro Edward, adorável Bella, meu querido amigo Carlisle... Vamos, não precisamos tornar isso algo tão desagradável. – Enquanto eu ouvia os passos silenciosos de meus pais atravessando as árvores como vultos, meus olhos não conseguiam abandonar o rosto lívido e poeirento de Aro. O céu estava pálido, limpo como um espelho, e o azul profundo tornava-se cada vez mais claro, ofuscando as luzes distantes das últimas estrelas.
- Ah, aí estão vocês. – Sorriu Aro, fitando com entusiasmo os rostos enfurecidos de meus pais. Jacob tremia ao meu lado, e eu tentava sustentar o peso dele sem deixar que meus joelhos cedessem. Os mantos negros de Aro e Caius estavam chamuscados e rasgados em várias partes, e seus cabelos sempre impecavelmente brilhantes e bem arrumados, formavam um emaranhado grotesco em volta de seus rostos pálidos. A noite não estava sendo muito fácil para eles também, eu imaginei.
- Resolveu parar de se esconder feito uma barata? Isso definitivamente não é do seu feitio Aro. – A voz serena de meu pai irrompeu das árvores, e era tão fria, tão dura... Eu estava perfeitamente calma a despeito dos pulos ferozes que meu coração dava em meu peito. Sentia-me completamente alerta, como estive na noite em que Jacob e eu lutamos contra Félix e Heidi, a sensação do perigo aumentava a proporção funcional de cada célula de meu corpo. Eu podia sentir, ouvir e ver cada detalhe perdido na noite que começava a ceder lugar àquela madrugada fria. O sangue de Jacob trabalhava em mim freneticamente, eu podia senti-lo percorrer minhas veias, devolver-me a efetividade dos meus dons naturais, e aqueles não tão naturais. A silhueta de Aro moveu-se sob a luz alaranjada que pairava no horizonte, e como por reflexo, o corpo esguio de minha mãe parou do outro lado de Jacob como uma sombra, sustentando-o melhor que eu. Carlisle seguiu os passos friamente medidos de meu pai, que se postou ao meu lado direito, um pouco mais a frente, tão protetor quanto sempre fora.
- Eu sei o que você quer. E a resposta é não. – Sibilou meu pai.
- É claro que sabe... Você sabe todas as coisas, jovem Edward, ou pelo menos pensa saber. – Aquela solenidade fajuta, aquele tom afetado na voz invariavelmente sedosa e gentil... Aquela falsidade me matava, me deixava doente de ódio. Meu sangue – o sangue de Jake – ferveu em minhas veias. Involuntariamente, fechei meus punhos ao redor da cintura de Jacob, tentando conter o tremor dele e o meu próprio.
- Edward, o que está acontecendo? – Intercedeu Carlisle, a voz calma balbuciando a pergunta como um meio de aliviar a tensão. Sempre o pacificador.
- Diga a ele o que quero meu rapaz. Diga a seu pai o que está me negando. – Os olhos felinos de Aro pararam no rosto de Carlisle e por um momento o brilho insolente da superioridade desapareceu, deixando um vazio profundo turvar os olhos leitosos. Carlisle devolveu o olhar cheio de súplica de Aro com uma certa indignação e incredulidade. Seja qual fosse o jogo de Aro, ele estava tendo êxito.
- Eu venho oferecer ajuda. – Sorriu Aro. Por um momento o silêncio nos envolveu como uma névoa. Nos pés da colina verdejante, Volterra queimava silenciosamente como uma vela esquecida na escuridão, enquanto a manhã se aproximava como uma profecia.
- Por quê diabos você imagina que nós precisamos de ajuda? – Disse Jacob, suas palavras se arrastando como correntes. O corpo enorme e moreno tremia sob minhas mãos, e a quentura que emanava dele fazia minha pele arder. – Vocês vão morrer malditos. – Sibilou ele. Vi quando minha mãe pressionou o ombro nu, tentando fazê-lo se acalmar, mas Jacob fitava o rosto impenetrável de Aro obstinadamente.
- Ah meu caro, mas você há de concordar comigo que, se deseja levar a cabo minha morte e a de meus iguais, terá de abrir mão de uma pessoa muito importante para vocês. – Ele sorriu. – Creio que ainda não tenham encontrado a querida Alice.
Observei o rosto de meu pai se contorcer numa máscara de ódio, suas mãos pálidas se fecharam em punho.
- Edward... – Sussurrou minha mãe, olhando-o pelo canto dos olhos. Eu conhecia aquele tom implícito em sua voz, era muito fácil saber o que ela estava pensando, mesmo não podendo ler seus pensamentos. Aquele tom significava: Edward, o quê está acontecendo?
Meu pai não desviou os olhos de Aro quando falou:
- Ele sabe algo sobre Alice. Está escondendo a informação de mim. – Disse ele, os dentes cerrados, as costas tensas. Ah Aro, seu demônio astuto. Eu entendia perfeitamente o processo, o único meio de esconder certos pensamentos de meu pai, e aparentemente Aro descobrira a mesma coisa.
- Ah não me recriminem. De que outra forma eu poderia garantir a minha segurança e a de meus queridos irmãos? – Aro lançou seus olhos opacos a Carlisle, que ouvia tudo imerso num silêncio intransponível. Dentro de sua imensa calma ele ponderava sem nada dizer.
Havia algo realmente perturbador na forma como Jane e Demetri olhavam para os lados furtivamente, como se procurassem por algo, uma saída talvez? Não. Eu não sabia o que era, mas estava me incomodando profundamente, e esse desconforto parecia não ser percebido por mais ninguém. Minha mãe e Jacob – ao meu lado esquerdo – mantinham seus olhos fixos em Aro e Caius, e meu pai, assim como Carlisle, se mantinha focado nos pensamentos que Aro tentava camuflar. Então, o que seria essa sensação soturna apertando meu peito? Meus pensamentos foram interrompidos pela voz felina de Aro:
- Vejam bem, vocês não me deixaram escolha. Eu tive que consertar a bagunça que vocês fizeram. Primeiro uma mestiça, e depois uma legião de imortais descrentes de nossas leis? O que vocês acham que teria acontecido se eu não interviesse? Eu tive que retirar as maçãs podres que vocês deixaram em nosso cesto, antes que um bando de desordeiros acabasse nos expondo. E a culpa pelas mortes deles, meus caros, é unicamente sua. Os Cullens trouxeram a morte até eles quando decidiram reuni-los para enfrentar a justiça que há tantos séculos têm nos protegido e nos preservado.
- Justiça? Você vem até mim se gabar de sua justiça? – Falou Carlisle, a voz anormalmente alterada oscilando no ar gelado da madrugada. Aro olhou-o atônito, e por um momento seus olhos endureceram. – Você sempre se importou apenas com o poder. Tudo que desejou sempre foi poder. Sua justiça anda de mãos dadas com seus interesses. Você sabia que a criança não era uma ameaça, sabia que não tínhamos violado as leis, e mesmo assim foi até Forks por pura ambição. Então eu novamente lhe pergunto Aro: o quê quer de nós?
Os primeiros raios de sol iluminaram o rosto inabalável de Carlisle, refletindo majestosamente na pele e nos cabelos lustrosos. As árvores se acenderam num verde oliva brilhante, e o fogo que consumia Volterra foi finalmente ofuscado pelo sol italiano.
- Só eu sei onde Alice está. – Disse Aro numa voz baixa e incisiva, as sombras ocultando seu rosto. – Se a querem, terão de pedir perdão e se submeter ao governo Volturi. Quero que compreendam essa condição, quero que entendam que não há outra forma de remediar o estrago que fizeram e o que isso significou para nosso mundo. Se se curvarem à mim, tudo será esquecido e poderemos, ambos, retomar nossas vidas ao longo da eternidade, como foi predestinado quando nos tornamos imortais.
- O quê? – Eu falei, sentindo uma golfada de incredulidade subir a minha garganta. O tom áspero de minha voz cortou o silêncio, e era como se eu mesma estivesse me observando, escutando minhas próprias palavras flutuarem naquele véu de tensão. – Submissão? Você tentou nos matar vezes incontáveis, e chegou muito perto de conseguir. Minha família e eu temos todos os motivos possíveis para destruir esse clã imundo que você chama de seu governo e nenhuma lei imortal nos punirá por isso. Como você bem sabe Aro, no nosso mundo, é matar ou morrer.
- Minha jovem, você nada entende sobre nosso mundo ou as leis que o governam.
- Eu entendo o suficiente para repudiar essa sua proposta, para achá-la tão vil e baixa quanto suas desculpas mentirosas sobre regras e leis que só existem no seu livrinho de aquisições. Mas você não vai me ter Aro, e não terá Alice, ou Zafrina, ou Willian... Não vai ter nada além das cinzas de sua guarda derrotada e da sua cidadezinha de fachada. – Eu estava gritando, e não havia me dado conta de que avançara alguns passos na direção de Aro, de modo que meu pai ficara bem atrás de mim, contendo-me com suas mãos gentis em meus ombros. Aro encarava-me com olhos duros, a boca numa linha rígida. Quando o silêncio caiu sobre os ecos de minha voz, eu percebi que todos prendiam a respiração, como se o simples ato de respirar fosse desencadear um novo incêndio.
- Deixe-me ver Aro. Você sabe que cedo ou tarde eu vou descobrir onde ela está. – A voz de meu pai ressonou como o farfalhar do vento nas árvores. Atrás de Aro, Caius estremecia incontrolavelmente, e vê-lo tenso daquela forma acendeu novamente a chama de desconfiança em mim. O vento varria a clareira, onde os primeiros raios de sol penetravam pelas folhagens baixas das árvores. Imersos nas sombras da encosta do vale, Jane e Demetri observavam estáticos, duas estátuas de pedra com olhos vivos, que corriam de rosto a rosto como abelhas que colhem o néctar. Cada vez que meus olhos se encontravam com os de Jane, uma pontada fria subia por minhas pernas, indo se instalar em meu estômago. Não era medo, nem tampouco receio de enfrentá-la numa luta novamente – se ser jogava ao chão em convulsões violentas podia ser chamado de luta. Era algo como um segredo que compartilhávamos, um destino em comum que se cruzara por acidente, e agora se chocava a cada nova curva. No meu coração e no dela, vivia a sombra da ausência que atendia pelo nome de Alec.
Voltei meus olhos para o rosto de meu pai, fugindo do olhar gelado de Jane por um momento. Apenas dois metros atrás de nós, minha mãe amparava o corpo enfraquecido de Jacob, sem, com isso, abandonar o posto de “escudo”. Eu podia ver nos olhos dela a concentração intensa, o foco que não oscilava nem por um segundo e foi essa mesma expressão que encontrei no rosto de meu pai. A testa vincada, os olhos semicerrados, os dentes apertados. E Aro resistia, permanecia imóvel por vários minutos, até seus olhos ganharem novamente o foco e um sorriso afetado se abrir em seus lábios frios.
A batalha mental prolongou-se, fazendo com que cada minuto parecesse demorar mil anos, e a cada segundo de silêncio, um novo peso somava-se a balança de tensão que nos envolvia. Em certo momento, eu comecei a pensar nos outros.
Rose, Emmet, Esme, Jasper... Todos na espera de uma direção para seguir, qualquer pista que nos levasse até Alice. Nossos aliados também deveriam estar preocupados com nossa demora, logo sairiam a nossa procura, era certo. E Willian? Será que estava bem com sua Lavínia? E Zafrina? Sam e os outros teriam encontrado sua prisão? Onde estariam Benjamin e os outros? Eu vaguei por esses nomes, vendo os rostos conhecidos em minha mente, sabendo onde, inevitavelmente, meus pensamentos me levariam.
Alec. Por onde andaria meu querido Alec? Meu coração se apertava no peito, como se estivesse sendo esmagado por mãos de ferro. A lembrança daqueles últimos momentos ardia em minha mente como álcool sobre uma ferida aberta. Cerrei meus dentes em silêncio, tentando impedir a dor que vinha com aqueles pensamentos e num ato de extrema covardia, eu me virei lentamente para trás, para alcançar os olhos escuros de Jacob, aquele bálsamo que entorpecia todas as minhas dores. Ele me olhou quando percebeu meus olhos encarando-o, e sustentou meu pedido de socorro mudo. Ele sabia, eu vi isso quando ele desviou o olhar de mim. Aquela resignação me comoveu e me envergonhou, eu sentia que diminuía ou que simplesmente me desfazia na terra, como fumaça, como poeira. Jacob sabia que eu me importava com Alec, mais do que deveria, mas do que gostaria. Ele entendia isso, e esse entendimento era a faca cega que penetrava meu coração cada vez que eu o olhava, cada vez que ele surpreendia a distância no meu olhar. Mas Deus... eu o amava tanto! Amava cada ínfima parte dele, cada aspecto ininteligível do ser que ele era, e mesmo assim, não podia deixar de pensar em Alec. Virei meu rosto envergonhado novamente para frente, e surpreendi um leve tremor sacudir os ombros esguios de Aro.
- Não. Vai. Entrar. – Disse ele, cerrando os dentes e pronunciando cada palavra separadamente, com grande dificuldade para ocultar nelas o ódio que borbulhava tão perto da superfície.
- Onde está ela Aro. – Sibilou meu pai. – Onde está Alice?
- Submissão Edward. Implore meu perdão e terá sua irmã de volta. – Disse ele, os olhos opacos desvairados quase pulavam das órbitas, a boca entre aberta deixando a mostra os dentes curtos e brancos. Aro arfava como um touro prestes a avançar, suas mãos pálidas fechadas em punho pendiam ao lado do corpo desajeitadamente. – Implore Edward, chiedo scusa. – Gritava ele.
- Para o inferno com seu perdão Aro, eu vou arrancar sua cabeça fora se não me disser onde ela está. – Grunhiu meu pai, avançando lentamente em direção de Aro.
- Edward. – Minha mãe chamou, tentando contê-lo. Ela largou o braço de Jacob e avançou com ele, tendo o cuidado de interpor-se entre mim e Aro. Jacob oscilou, sustentando o corpo numa árvore próxima. Fui até ele, apreensiva com a demora de sua regeneração, e enlacei a cintura quente.
- Jake, quanto tempo até poder se transformar? – Perguntei num sussurro, apreensiva e completamente aterrorizada com a idéia de Jacob tão vulnerável diante de tal situação.
- Eu não sei. – Disse ele, apertando os olhos com os dedos. – Eu já deveria estar mastigando esses sanguessugas malditos. Talvez se eu me concentrar... não estou mais tão fraco assim. – Ele fechou os olhos e tentou controlar a respiração, afim de encontrar dentro dele a porta que o levaria deste mundo e traria o lobo castanho avermelhado para fora, para a liberdade.
- Não se esforce tanto. Nós podemos cuidar da situação por enquanto. Meu pai está jogando com Aro, ele vai arrumar um jeito de descobrir aonde o maldito escondeu Alice. – Tranqüilizei-o, enquanto afagava suas costas nuas, tentando acreditar em minhas próprias palavras. Na realidade, eu duvidava que aquela situação assustadora se sustentasse por mais um segundo sequer, especialmente por quê Demetri já estava posicionado para o ataque, ao lado de Aro e ocultando um apavorado Caius atrás de si. E Jane... maldição, por quê Jane não estava ocupando seu habitual lugar ao lado de Aro? Por quê ela espreitava por sobre o ombro de Caius, mal contendo o impulso de olhar para os lados enquanto seu mestre estava prestes a se atracar com meu pai? Algo estava terrivelmente errado com Jane e eu não gostava disso mais do que Jake gostava de se sentir impotente frente ao inimigo.
- Eu vou te dar uma última chance Aro. – Grunhiu meu pai.
- Edward, se pudermos evitar essa luta será melhor para todos. – Disse Carlisle, pousando a mão no ombro de meu pai.
- Ele não me dá escolha Carlisle...
- Ah mas eu te dei sim uma escolha. Você é quem a recusa insolentemente. Seu orgulho matará a todos nós. – Disse Aro, a voz trêmula e descontrolada. – Ou melhor. Matará vocês todos! – Aro gargalhou, o som frio de sua risada felina soou como um dejá vú em meus ouvidos. Em minha mente a campina infinitamente verde se acendeu como um fantasma recém despertado.
- Meu Deus Aro... o quê você fez? – A voz subitamente atemorizada de meu pai me alarmou. Ele enrijeceu, e mesmo de costas eu podia adivinhar a expressão vazia em seus olhos.
- O quê foi Edward? – Perguntou minha mãe, uma pontada de desespero despontando em sua voz macia, os olhos assustados fitando o rosto imóvel de meu pai...
- Eu fiz o que tinha que fazer meu querido Edward, e agora, nós veremos quem tem o cachorro mais bravo.
Eu observei, imóvel, o rosto de Aro se contorcer num esgar doentio, enquanto Demetri afastava os dois anciões para o meio das árvores. Jane virou-se de costas para nós e fitou as sombras nevoentas da floresta que nos cercava. Seus olhos se ascenderam, focaram um nada longínquo, como se estivesse chamando por alguém – ou por alguma coisa. Tudo aconteceu tão rápido, e mesmo assim, em minha mente entorpecida, eu via um slow motion se desenrolar frente a meus olhos.
Meu pai se virou, puxando pelo braço minha mãe, e quando nossos olhos se cruzaram, eu pude ver o desespero comprimindo sua alma. Num grito sufocado, eu vi os lábios dele formarem as palavras: saia daqui Ness. Mas eu não pude me mover, e com Jacob igualmente imóvel ao meu lado, eu presenciei o momento mais aterrorizante de minha vida.
Um grunhido doentio explodiu em meio às árvores, uma fusão monstruosa de um rosnado gutural e uma voz humana, gritando desesperada. Jane murmurava palavras ininteligíveis em uma língua que parecia-se muito com os idiomas árabes, seus olhos pequenos fitavam a criatura encoberta pelas sombras, fazendo-o obedecê-la, machucando a coisa como um toureiro atiça o touro bravo. Mas o quê diabos era aquilo?
- Ness, venha. – Gritou meu pai. Esforcei-me ao máximo para desviar meus olhos daquela silhueta deformada que se debatia entre as árvores, e quando os olhei, vi meu pai e minha mãe vindo em minha direção. Minha mãe agarrou meu pulso e me puxou, eu quase não sentia meu corpo se mover.
- Pode andar? Nós precisamos sair daqui agora. Precisamos encontrar os outros. – Ouvi meu pai murmurar apressadamente para Jacob.
- Que merda é essa Edward? Aquela coisa não cheira bem. – Disse Jacob.
- Aquilo é um lobisomem. Um verdadeiro.
- Pensei que estivessem extintos Edward. – Disse minha mãe, a voz trêmula e as mãos firmes enlaçando meu pulso.
- Eu também pensava assim. Lobisomens não são vistos há mais de mil anos.
- Edward, como isso é possível? Estamos no meio do dia. – Replicou Carlisle. – Eles são filhos da lua, não tem como aquilo ser um lobisomem autêntico.
Filhos da lua. Eu já ouvira algo sobre eles. Criaturas noturnas altamente infecciosas. Brutais. Sanguinários. Feras sem consciência. Mas eu sempre pensei que fossem lendas, ou que deixaram de existir em algum período remoto.
- Pai, por quê estamos fugindo assim? Não podemos deixar Aro escapar, ainda mais agora. Se aquele monstro fugir... Se chegar às cidades... Ele não parecia muito à vontade com as ordens de Aro. – Meu pai me lançou um olhar intransponível. Nós corríamos pelo vale nevoento, por entre a vegetação fechada onde a luz do sol ainda não havia chegado. Um silêncio se formou em volta daquela pergunta, todos nós esperávamos por respostas, tentando encontrá-las em nossos próprios pensamentos confusos.
- Aro fez alguma coisa com aquela criatura. A mente dele é um vazio, completamente oca, nenhuma centelha de consciência. Aro não me deixou ver muita coisa, da alguma forma ele adquiriu um controle mental quase intransponível. Está deixando as informações escondidas em um lugar subconsciente. Se eu tivesse os dons dele eu saberia encontrá-los. – Disse meu pai após uma longa pausa. Ele ponderou por um momento e continuou: - Ele deve ter encontrado uma das últimas criaturas dessa espécie que ainda havia no mundo, mas se aquela criatura morder um humano, nós certamente vamos ter sérios problemas.
- Eles são incontroláveis, famintos, e como Edward disse, não têm consciência de que devem se manter anônimos aos humanos. Eles apenas matam. Aro foi longe demais quando trouxe aquela criatura para civilização. Se ele escapar, o que certamente não vai demorar, os humanos dessa região estarão correndo sério perigo.
- Não é só os humanos que estão em perigo Carlisle. – Disse meu pai, taciturno. – Uma das poucas coisas que vi na mente de Aro, e que foi confirmada na mente de Caius, foi o que essas bestas fazem com a nossa espécie. – Ele parou, sondando nossos rostos. – Você nunca se perguntou por quê Caius os teme tanto?
- Não me diga que...
- Sim. O mesmo veneno que infecta humanos e os transforma, é capaz de paralisar um corpo imortal de forma irreversível. É talvez a única forma de morte que dispomos, além da fogueira. – O silêncio pairou novamente sobre nossas cabeças, enquanto nossos pés se apressavam em direção ao norte, onde nossos aliados nos esperavam. Um medo subido e inflamado me dominou, pensando no que poderia ter acontecido se não tivéssemos saído imediatamente de lá, e o que aconteceria se não encontrássemos os outros a tempo.
- O quê pode matá-los? – A voz rouca de Jacob rompeu o silencio. Eu me sobressaltei com a expressão rígida em seu rosto quando o encarei. Meu pai ponderou por um momento.
- Eu não conheço muito dessas criaturas. – Suspirou meu pai. – Mas estou partindo do princípio de que a maioria de nossos dons não surtem efeito nele.
- E por que não? – Perguntou minha mãe alarmada.
- Por quê a maioria dos nossos dons agem na mente e aquela criatura não tem uma mente, apenas uma vaga percepção das coisas.
- Como um animal? – Perguntei.
- Exatamente como um animal. – Respondeu meu pai.
- Edward, isso não faz nenhum sentido. Você viu o que Jane estava fazendo com ele, incitando-o, enfurecendo o bicho contra nós. Se ela pode causar efeito na mente dele, por quê nós não podemos?
- Bella, aquela criatura ainda tem certas percepções, mas nenhuma delas é mais humana. Possivelmente ele é um lobisomem há milhares de anos. Ele ainda têm percepção de perigo, de fome, de dor... as coisas básicas. Para todos os efeitos ele é um animal infinitamente forte e imortal. O quê Jane estava fazendo é justamente incitar um dos poucos pontos de acesso da mente dele. A dor, é só disso que ela precisa. De que adianta eu ler os pensamentos dele se não há nada coerente para se ver? – Minha mãe encarou-o aflita, os olhos âmbar cintilaram em mim por um momento antes de retornar aos de meu pai.
- Ok, ele é ignorante, mas o quê diabos pode matar aquela coisa? – Interrompeu Jacob. – Uma bala de prata? Uma estaca de prata? Um crucifixo de prata? – Ironizou ele, impaciente.
- Talvez só a força bruta. – Respondeu meu pai, olhando novamente de mim para minha mãe, o típico olhar de um pai de família preocupado. – Mas é perigoso demais nos aproximar. Nós não sabemos quase nada sobre ele, a nossa única chance está escondida na mente de Aro.
- Precisamos achá-lo Edward. – Disse minha mãe. Eu pude perceber o desespero contido na voz dela. Meu pai trocou um olhar cheio de tensão com Carlisle e disse:
- Carlisle e eu cuidaremos disso. Agora, eu quero que você, Nessie e Jacob continuem até encontrar os outros.
- Edward...
- Bella, escute. – E ele parou, pegando o rosto de minha mãe entre as mãos. Eu e Jacob paramos um pouco a frente. Meu pai suspirou, o rosto contraído, e disse: - Não importa o que aconteça, não volte. Corra para o mais longe possível desse monstro e leve Nessie com você para algum lugar seguro, algum lugar onde Aro não poderá encontrá-las. Quando encontrar nossos aliados, diga a eles o que aconteceu e em seguida saia daqui. Cuide de Nessie se eu não voltar, fique perto das matilhas, eles vão proteger vocês. Se precisar de dinheiro, de passaportes, de qualquer coisa, você sabe onde encontrar. Vá, saia daqui e não pare até estar longe e a salvo.
Eu vi o terror estampado na face pálida de minha mãe. Vi a súplica se derramando dos olhos penetrantes de meu pai, e embora eu pudesse pensar em mil coisas para dizer naquele momento, eu não consegui formular sequer uma palavra.
- Jake... – Começou a dizer meu pai, olhando-nos com carinho.
- Eu sei. – Interrompeu Jacob, a voz embargada, os olhos turvos. – Você não precisa me pedir para cuidar delas com minha própria vida. Eu venho fazendo isso há anos, e eu vou continuar cumprindo a promessa que te fiz quando ela nasceu. – Jacob olhou para mim, o rosto impenetrável. – Quando elas estiverem a salvo, eu volto e te acho nem que seja no inferno. – Meu pai assentiu, sem nada dizer, o agradecimento mudo morrendo em seus olhos que não podiam chorar, e apesar da dor que separava todos nós novamente, abrindo novos buracos, todos nós sabíamos o quanto era preciso que fôssemos fortes.
Meu pai me abraçou antes de ir. Beijou minha mãe nos lábios selando aquela que poderia ser sua última promessa, de que a amaria eternamente, não importa como ou onde. Carlisle se despediu de nós, tornando tudo mais difícil, fazendo com que o fantasma do medo se tornasse mais real. Despedir-se era sempre uma incerteza, mas aquele adeus pareceu mais do que nunca um mal agouro. Eles deram meia volta, então, seguindo novamente para a encosta do morro que cercava Volterra, e antes que suas silhuetas fossem encobertas pelas árvores frondosas, o som indistinto de passos fez todos congelarem em seus lugares. Meio segundo se passou até aqueles passos nos alcançarem. Meu pai apenas esperou, paciente. E de alguma forma, eu sabia quem estava vindo ao nosso encontro.
- Eu sei onde Aro vai estar. – Disse a voz melodiosa e inabalável que eu conhecia tão bem. – Eu posso levá-lo até ele Edward. – Alec imergiu das árvores com um manto negro cobrindo-lhe a face. Meu pai olhou-o pacientemente por um segundo enquanto Alec mantinha em sua expressão o mais simples e verdadeiro olhar, tão diferente dos olhos sombrios que antes enfeitavam seu jovem rosto. Olhando para ele agora, eu não conseguia imaginá-lo um Volturi, nem mesmo com o manto negro e com o medalhão que trazia o brasão de seu antigo clã brilhando em seu peito, Alec não parecia mais com um deles.
- Sua ajuda é mais que bem vinda Alec. – Disse meu pai. – Vamos, se apresse, nós não temos muito tempo.
Fanfic escrita por Anna Grey.
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