2ª Regra: Nunca Hesite
Acordei
por volta das 10 horas. Havia pegado no sono ferrado. Não dormia assim
tão bem fazia anos e essa minha disposição se devia ao serviço da
madrugada anterior.
Tive de tornar a pegar na pasta para ter certeza que o serviço tinha sido feito. Era quase como um sonho de criança realizado.
Despi
a única peça de roupa que eu dormia, minha calça pijama azul escura.
Dependendo da época do ano e do calor que fazia, havia dias que eu
dormia completamente nu. Eu era um cara quente. Vivia morrendo de calor e a justificativa para eu ter vestido ontem a calça era porque estavam 5º negativos e o meu amigo estava meio murcho de frio.
Me
coloquei debaixo do chuveiro tomando uma ducha relaxante mas pouco
demorada. Logo saí indo até meu roupeiro escolhendo a roupa que iria
usar agora.
Escolhi
uma calça jeans surrada, em azul-escuro e uma camisa cinza clara de
manga curta com botões em preto. Calcei umas botas da Timberlake,
em azul-escuro e vesti meu blusão de couro preto, estilo motoqueiro.
Peguei apenas minha carteira, as chaves de casa e uns óculos de sol Ray Ban, estilo aviador, com lente preta e aro prateado e saí de casa.
Não
era preciso pensar muito para escolher um local para comemorar. Sequer
teria de andar muito. Apenas atravessei a rua e entrei no Wagner Happy Food, o restaurante em frente ao prédio que eu morava.
Os motivos? Era meio difícil de explicar. Talvez se eu detalhasse o que me levava a ir lá comer sempre…
Abri a porta e quase como que automaticamente, senti seu cheiro me atingir como um doce soco no rosto. Morangos, amêndoas e mel. Uma combinação apetitosa de fazer crescer água na boca.
Corri meus olhos pelo estabelecimento mas não a
vi. Franzi a boca em descontentamento e escolhi um reservado, bem no
fundo do restaurante. O mais oculto possível dos olhares alheios. Como
se eu quisesse ser notado.
Peguei
no cardápio e olhei meu relógio de pulso constatando que já havia
passado a hora do café da manhã, mas ainda era cedo demais para um
almoço. Então faria um brunch¹.
Edmund Wagner logo notou minha presença e bateu no balcão chamando a atenção de sua filha.
-Jane, vá atender a mesa 15. – Ordenou olhando para mim pelo canto do olho.
Jane veio prontamente, com seu típico sorriso amável e seu ar angelical impossível de se contestar.
-Bom dia Jacob. Hoje você veio mais tarde. O que você vai querer tomar? – Jane me cumprimentou, comentando casualmente meu atraso.
Com
ela eu poderia ter toda a certeza que o comentário era realmente
casual. Jane era a única atendente que eu deixava pegar meus pedidos.
Talvez por seus olhos passarem uma total harmonia e alegria para mim.
Bem, há dois meses atrás ela era a única que eu deixava me atender, mas agora…eu meio que andava reconsiderando.
Apesar de nunca ter sido atendido por ela, e por diversas vezes ter ponderado dispensar os serviços de Jane e exigir os serviços dela, eu nunca chegava a ter coragem para chegar nos “finalmentes”.
Droga…acabei
de admitir que eu não tenho coragem para enfrentar uma simples garota
totalmente inofensiva…e delicada…e misteriosa…
-Cheguei tarde de um grande acontecimento. Mas ainda vim para comemorar. – Lhe dei um grande sorriso que a pegou desprevenida.
Era raro eu esboçar um sorriso. Era raro eu esboçar qualquer tipo de emoção que não uma enorme carranca.
Jane
arqueou as sobrancelhas e entreabriu a boca me olhando admirada, mas
logo se recompôs me tornando a dar aquele sorriso doce que quase sempre
desamarrava minhas expressões duras.
Jane
nada comentou pois ela me conhecia o suficientemente bem para perceber
que eu não tinha certas “intimidades” com quem quer que fosse, mesmo com
ela.
-Eu
vou querer, para começar, ovos mexidos com tiras fritas de bacon e uma
pequena porção de feijão vermelho, sem molho. Depois pode me trazer um
misto quente com mortadela, em vez de fiambre e uma porção grande de
batatas fritas sem sal e bem secas. Entretanto pode ir preparando um
bife gordo, mal passado, com sangue, e uma porção de arroz branco, com
pouco sal. Para beber eu gostaria de uma jarra de vinho branco, com
pedaços de uvas, e uma garrafa pequena de água com gelo e uma rodela de
limão. A sobremesa eu peço assim que eu estiver terminando de comer. – Fiz meu extenso e rigoroso pedido lhe entregando o cardápio.
Jane
não se espantou com meu pedido. Era habitual eu pedir montanhas de
comida como um sem abrigo esfomeado que não come há semanas. Meu apetite
era voraz e insaciável. Mas as minhas exigências eram típicas de um
prepotente novo-rico. Insensível e snobe. Apesar disso ela nunca se abalava ou se aborrecia.
Assim que Jane saiu do meu campo de visão, eu a
vi. Esbelta, simples, com uma ténue auréola de sensualidade em torno de
si, imperceptível a olhos comuns. Seus cabelos castanhos ondulados, com
leves reflexos avermelhados, estavam presos em um coque alto. Vestia
uma blusa desbotada, velha e larga e umas calças igualmente velhas e
largas e por cima o usual avental vermelho, com o emblema do restaurante
do lado direito e a pregadeira com o seu nome do lado esquerdo. Seu ar
era cansado. Uma pequena mancha escura se formava em baixo de seus
olhos, mas ela sempre tinha um sorriso estampado no rosto. Como se quisesse mostrar que o que quer que a cansava, lhe dava igual prazer.
Fiquei
a admirando durante tempos infinitos. Mesmo quando meus pedidos vieram e
eu estava comendo, eu não conseguia desviar os olhos dela. Ela era como um íman poderoso que me compelia a manter os olhos fixos nela, admirando e venerando sua beleza e sua graciosidade.
Todas as outras imagens eram como meros borrões em torno dela, e os sons se tornavam apenas sussurros quase inaudíveis.
Eu
me concentrava ao máximo para escutar seus passos, sua respiração, seu
coração…como se isso fosse realmente possível. Mas em meu imaginário…em
meu mundo…tudo o que envolvesse ela era possível.
-Estava tudo bom? – Jane perguntou me despertando para a realidade.
Tentei
fazer uma carranca, mas era quase impossível quando eu olhava o sorriso
de Jane. Ela não notou minha oscilação de humor e levantou os pratos da
mesa cuidadosamente.
-Estava sim. Estava tudo perfeito. – Sorri curtamente.
-E o que você vai querer de sobremesa?
Pergunta pertinente.
Nesse momento eu queria algo com morangos, amêndoas e mel. Mas esse algo não seria bem comestível.
Olhei novamente e fixamente para ela
ponderando – e controlando – minha resposta. Jane notou meu olhar e
conteve um sorriso que me despertou novamente para a realidade.
-Eu não vou querer nada, afinal. Me traga apenas a conta. - Pedi
Perdera a vontade de comer sobremesa. Pedir algo para enganar o desejo por outra coisa, só alimentaria mais a vontade de a ter.
Porra,
o que está acontecendo comigo? Que sensações são essas que meu corpo
sente sempre que a vejo? Porque meu coração acelera, minha respiração
descompassa e meu corpo amolece quando estou no mesmo ambiente que ela? Porque meus olhos e minha mente se focam somente nela como se mais nada no mundo, em meu redor e ao redor dela, existissem?
Apressado, cansei de esperar pela conta e coloquei duas notas de 20 dólares sobre a mesa, sequer me importando com o troco.
Sai do restaurante bem na altura que ela retornara à cozinha, evitando que a meio do caminho eu a carregasse no colo e a raptasse para minha casa usando e abusando de seu corpo, de seu amor e a tornando no meu mais saudável e prazeroso vício.
Assim
que cheguei em meu prédio, Bernard, o porteiro, me entregou o correio
daquele dia. Para meu total espanto havia mais um daqueles envelopes
grandes, em castanho claro, com um revestimento de sacos de bolhas e uma
pasta confidencial com um novo serviço.
Nem
esperei para chegar em meu apartamento para abrir o envelope. Assim que
as portas do elevador se fecharam rasguei a parte superior do envelope
retirando a pasta e a abrindo, dando apenas uma examinada nas fotos dos
alvos.
Tornei
a fechar a pasta e a guardá-la dentro do envelope e quando o elevador
se abriu para a cobertura eu saí, caminhando em frente e empurrando a
porta das escadas de incêndio, subindo o último lance em direção ao
Estúdio, que era a minha casa.
Retirei
meu blusão de couro o jogando sobre a poltrona, do espaço que era a
sala, e me sentei no sofá tornando a abrir a pasta e a lendo.
Estranhei
terem mandado dois serviços em dias seguidos, mesmo que as datas do
cumprimento fossem espaçadas. Ainda tinha dois dias para cumprir o prazo
do outro serviço, mesmo que já o tivesse cumprido. E nunca era comum ele mandar dois serviços ao mesmo tempo, sem que um já tivesse passado o prazo limite.
Quem é ele? Poucas informações tenho do cara que me contrata, mas ao que pude apurar, ele é o braço direito de um Senador que vive com a mania que é um mafioso de alta estirpe e que Buffalo é a sua área.
Antes de Buffalo eu vivia em Boston, e antes em Baltimore, e antes em Detroit, Indianópolis, Memphis, Tulsa, Dallas, Albuquerque, Denver, Phoenix, San Diego, Sacramento, Tucson, Portland, Seattle e por fim, de onde eu sou originário, onde eu nasci e de onde meus pais eram, Forks, mais precisamente La Push, uma Reserva Indígena da zona de Washington.
Nunca fico mais de 5 meses numa mesma zona. Meu prazo aqui em Buffalo está terminando. Antes de Janeiro sou capaz de me mudar, para onde quer que o destino me leve. Talvez Massachusetts, Vermount, New Hampshire, Maine…quem sabe não tente meus horizontes no Canadá!
Mas apesar das questões que me assolaram pela surpresa do imediatismo com que ele me despachou os dois serviços, eu ainda tinha uns dias de ‘férias’ que iria aproveitar relaxadamente.
~~*~~
Sexta – feira: 29.10.2010 - 01h13 A.M.
Estava posicionado no telhado do prédio em frente ao restaurante “Chez Pablo”. Um restaurante Italiano de cinco estrelas, muito bem conceituado pelas críticas mas com uma péssima clientela.
Minha Sniper
já estava posicionada em cima do apoio. Estava apenas dando umas
últimas vistorias no silenciador, na recarga das balas e no regulador da
lente da mira.
Examinei as horas no meu relógio digital esportivo da Swatch, à prova de água, com funções de cronómetro, temporizador, calendário e alarme, que eu havia comprado na Europa, uns anos atrás. Faltavam poucos minutos para a hora de fecho do restaurante.
Já
havia visto mais de quatro dúzias de pessoas entrando e saindo daquele
restaurante sem que em nenhum desses grupos os irmãos Volturi estivessem
incluídos.
Chequei
novamente as horas e depois olhei para a entrada do restaurante vendo
mais um grupo de pessoas saindo. Três mulheres entre os 15 e os 35 anos,
duas crianças, entre os 3 e os 8 anos e dois homens. Logo os reconheci
como sendo os irmãos Volturi.
Aquela
imagem de família tipicamente americana, feliz e reunida não se
encaixava de todo naqueles vermes, mas a simples presença de crianças,
sendo que uma delas estava no colo de Demetri Volturi, me fez hesitar
durante vários minutos. Quase tantos que os perderia de vista. E assim
estava quebrando minha segunda regra: Nunca hesitar.
Por pouco não perdia um dos meus alvos, que estava entrando no carro.
Olhei na mira, ajeitei a Sniper um pouco mais para a esquerda e atirei certeiramente na cabeça de Caius.
O alvoroço logo se instalou e as costas de Demetri estavam perfeitamente na minha mira, mas de novo hesitei.
Se eu atirasse nas costas dele, a bala perpassaria o peito dele e atingiria a criança. Tinha de arranjar outro modo.
Mas a minha nova hesitação tirou ele do meu alcance colocando a mulher na minha frente, mesmo que despropositadamente.
Bufei de irritação e retirei a Sniper
do apoio, guardando meus materiais no saco e retirando a GLOCK da parte
de trás das calças. Teria de atirar nele a uma curta distância.
Desci
as escadas do prédio em pulos de lances de três a quatro degraus de uma
vez e logo cheguei à rua. Demetri já embainhava uma arma em sua mão,
apontando em todas as direções. Seus olhos estavam marejados e
enraivecidos.
As crianças se encolhiam nos corpos das mulheres que choravam de medo e pela perda.
Lamentavelmente
elas tinham feito péssimas escolhas em relação aos seus maridos. Não
pelo trabalho que eles faziam, mas porque eles estavam na minha lista de
alvos a abater.
Se
fosse em outras circunstâncias, eu o deixaria viver, mas eu era pago
para isso - muito bem pago - e não poderia colocar sentimentos na frente
dos meus serviços.
Mas
esperem um pouco. Desde quando eu tenho qualquer tipo de sentimentos em
relação aos alvos que tenho a abater? Mas que diabos está acontecendo
comigo?
Minhas
divagações se desvaneceram com o som de um tiro saído da arma de
Demetri. Por sorte meus reflexos agiam quase que automaticamente antes
que eu pudesse pensar e perceber o que estava acontecendo.
Mais uma coisa que estava mudando em mim. Desde quando eu pensava tanto? Desde quando eu pensava durante meus serviços?
Trinquei
os dentes, pressionando a mandíbula e apontei minha arma na direção de
Demetri. Ele estava pronto a disparar novamente, não fosse seu filho
mais novo ter corrido em sua direção o distraindo tempo suficiente para
eu acertar um tiro em seu peito. Demetri desfaleceu no alcatrão da rua
com o filho agarrado à sua perna. A criança me olhou com os olhos
esbugalhados.
Aquela imagem simplesmente me deixou de rastos.
Comprimi
os olhos, os impedindo de aguarem e corri em direção ao meu carro,
dando partida o mais rápido possível. Os pneus chiaram no asfalto à
medida que eu pisava mais fundo no acelerador. Esta tinha sido uma das
piores noites da minha vida…incompreensivelmente.
¹ Brunch é a junção das palavras breakfeast (café da manhã) e lunch (almoço).
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Expresse sua opinião e incentive a autora! O que achou deste capítulo?